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Crédito, a esfinge da teoria econômica

Por: Afonso Bazolli
Em: Cobrança
Fonte: Valor Econômico

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Por: Luiz Belluzzo e Gabriel Galípolo

Comentadores de economia indagam indignados: como querem os “desenvolvimentistas” elevar o investimento sem reduzir o consumo das famílias?

Para os que pressupõe a “economia como um todo”, diria Keynes, à semelhança do orçamento familiar, os recursos que se destinam ao investimento vêm da parcela da renda que foi poupada, mediante a abstinência do consumo. Os investimentos devem crescer, portanto, às expensas do consumo. Quando o consumo cai, os fatores de produção, sempre plenamente empregados, são liberados para atender a demanda de novos bens de investimento, conduzindo à heroica conclusão de que empresas aumentam seus investimentos quando as vendas caem.

Na formulação da escola austríaca, de von Mises a Hayek, no “processo de mercado” a expansão em equilíbrio da economia está submetida à decisão intertemporal que define a preferência dos agentes individuais entre consumo presente e consumo futuro. O aumento da propensão a poupar hoje induziria o mercado a esperar um aumento do consumo amanhã, aumento antecipado pela hoje demanda por bens de produção (investimento).

A divisão da renda entre consumo e poupança dependeria da taxa natural de juro que exprime a “produtividade do capital” no sentido de Wicksell, Böhm- Bawerk. Em condições de pleno emprego dos fatores de produção, a taxa natural exprime a escolha entre a utilização dos recursos reais no presente (consumo) ou no futuro (poupança/investimento). O investimento é um processo longo e indireto de acesso ao consumo (roundaboutness), o consumo diferido.

A hipótese sobre a relação poupança/investimento dos austríacos tem uma dimensão “monetário-financeira”: a teoria dos fundos prestáveis. O equilíbrio da economia “real”, só é assegurada se a poupança prévia acumulada sob a forma de depósitos é mobilizada pelos bancos que operam como meros intermediários entre poupadores e “gastadores”. As operações de crédito, mediadas pela taxa natural de juro, apenas redistribuiriam as posições entre credores e devedores, refletindo as distintas preferências entre consumo presente e consumo futuro (investimento). Trata-se simplesmente de uma redistribuição de riqueza. A dívida de A é o crédito de B: os balanços se transformam simetricamente e, assim, não haveria a possibilidade de uma “crise de crédito” provocada por uma alavancagem excessiva.

Hayek se dispõe a demonstrar no livro Prices and Production que “quando o volume de dinheiro é elástico pode existir uma falta de rigidez (sic) entre a poupança e a criação de capital real.” Os desequilíbrios só podem irromper se deflagrados pelo desalinhamento entre a taxa monetária de juro e a taxa natural, graças à expansão do crédito e da moeda.

Claudio Borio adverte que “poupança e financiamento não são equivalentes(…) Eles são equivalentes no modelo, mas não em geral e, mais ao ponto, no mundo real(…) tais interpretações das finanças são em grande medida baseadas em livros texto sobre fundos prestáveis(…) esta é uma visão das finanças excessivamente estreita e restrita, pois ignora o papel do crédito monetário(…) poupança e financiamento não são equivalentes em geral. Em uma economia monetária, o constrangimento de recursos (real) e o constrangimento do fluxo de caixa (monetário) diferem, porque bens não são trocados por bens, mas por dinheiro ou demanda por ele (crédito)”.

O austríaco Schumpeter distinguia no crédito o recurso revolucionário de que podia dispor o empresário inovador sem prévia acumulação de poupança:

“É extraordinariamente difícil para os economistas reconhecerem que os empréstimos bancários e os investimentos financiados a crédito criam depósitos. Na verdade, no período entre 1870 e 1914 os economistas se recusaram unanimemente a reconhecer isso. Mesmo depois de 1930, quando a larga maioria foi convertida e aceitou essa doutrina como óbvia, Keynes corretamente achou ser oportuno expor e defender novamente a teoria com uma argumentação mais extensa. Essa é uma ilustração interessante dos bloqueios que o avanço analítico tem que superar”.

Nos complexos sistemas monetários, instituições financeiras privadas são capazes de criar meios de pagamento. Os bancos comerciais recebem depósitos à vista do público. Sabedores da reduzida probabilidade de que todos venham reclamar seus depósitos ao mesmo tempo, esses bancos emprestam o dinheiro a outros agentes mediante pagamento de juros. Cada operação de crédito gera liquidez adicional para a economia. Os empréstimos criam depósitos e não o contrário como é suposto pelo senso comum.

Por sua “natureza” material, os bens de produção, particularmente os bens de capital fixo, só podem ser “consumidos” ao longo do tempo. Empresários “financiam” nos bancos o pagamento de mais salários no afã de conquistar lucros acrescentados. Dos salários pagos e dos lucros realizados saem as poupanças privadas que vão liquidar as dívidas ou se juntar ao estoque já existente de riqueza financeira da sociedade.

O investimento e o crédito são as variáveis que determinam a criação da renda monetária e, portanto, a distribuição do valor criado pelo gasto na produção de bens de consumo e bens de produção entre lucros e salários. As decisões “descentralizadas” dos empresários de produção de bens de consumo e de bens de produção são tomadas simultaneamente, ainda que guiadas em condições de incerteza radical, e combinam expectativas de curto-prazo e as avaliações de longo prazo (investimento) ao longo da curva de demanda efetiva.

Richard Kahn registra que as ideias apresentadas por Hayek no início dos anos trinta foram recebidas em absoluto silêncio pela audiência de Cambridge. Para quebrar o gelo, Kahn indagou: “A sua visão é que se eu amanhã sair e comprar um casaco novo, isso elevará o desemprego? “. “Sim”, respondeu Hayek, virando para um quadro negro repleto de triângulos, “mas demandaria um exercício matemático muito longo explicar porquê”.

O crédito no capitalismo é a esfinge da teoria econômica. Sua peculiar dialética de criação- destruição de valor e riqueza pode induzir até mesmo os mais habilitados analistas a confundirem explicações sobre seu protagonismo com a apologia dos seus desatinos públicos ou privados.

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

Gabriel Galípolo, professor do depto. de economia da PUC/SP, é sócio da Galípolo Consultoria.

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