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Igualar facção a terrorismo pode afetar juro e crédito a empresas

por: Afonso Bazolli
em: Crédito
fonte: Valor Econômico
01 de dezembro de 2025 - 17:12

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Segundo especialistas, investimentos também podem se afastar do Brasil em caso de sucesso de projeto da oposição

A equiparação de facções criminosas a organizações terroristas, proposta em tramitação no Congresso, pode aumentar o risco-país do Brasil, pressionar os juros e dificultar o acesso dos negócios locais a crédito e novos investimentos, segundo especialistas ouvidos pela Valor.

Tramita na Câmara um projeto de lei apresentado em março por Danilo Forte (União-CE) alterando a Lei Antiterrorismo, de 2016. A proposta amplifica a tipificação do crime de terrorismo para abarcar organizações criminosas e milícias privadas. O projeto, sob relatoria do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ganhou fôlego após a megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro semana passada, que deixou 121 mortos (sendo quatro policiais). A votação na CCJ na Câmara estava prevista para terça-feira (4), mas foi adiada por pressão da base do governo.

A alteração é grande aposta da oposição. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, que é deputado pelo Progressistas (PP), disse que vai se licenciar do governo paulista para assumir a relatoria do projeto. O governo federal é contra e encaminhou, também na semana passada, um projeto de lei “antifacção” que mira mais a descapitalização das organizações criminosas.

“Falar e agir como se organizações criminosas fossem terroristas não só não vai ajudar a combater o narcotráfico no Brasil, como vai criar problemas em outras esferas, econômica, financeira e das relações diplomáticas”, diz Renato Galeno, coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec-RJ.

Nas relações entre nações, para investir em outros países, as empresas realizam planejamento estratégico, observa Galeno. “Quando elas pensam em fazer investimento em um país conflagrado, em que há grande risco de violência, onde o próprio Estado autodeclara que parte do seu território está sob o domínio de grupos terroristas, isso faria com que houvesse dificuldades para os investimentos dessas empresas. Terrorismo é um nível de risco muito acima para qualquer companhia.”

Organizações criminosas usam a violência para dominar e explorar economicamente territórios e o terrorismo também tem a ver com violência e controle territorial, mas, principalmente, tem relação com o que se pretende, em última instância, com isso, que é impor determinados padrões culturais, religiosos, ideológicos etc., aponta Daniel Cerqueira, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “É equivocado misturar as duas coisas.”

“Isso cria uma instabilidade, inclusive jurídica, muito grande”

— Daniel Cerqueira

Sob o ponto de vista econômico, Cerqueira diz que relacionar organizações criminosas ao terrorismo pode deixar governos, pessoas, organizações – ou seja, o país – suscetíveis a sanções diversas, com impacto na atividade. “Imagine se, de repente, chegam à conclusão de que o Rio de Janeiro, por exemplo, é um Estado narcoterrorista. O Estado, as autoridades e as pessoas em geral podem sofrer sanções econômicas severas, certos mercados não poderão fazer negócio nesses locais, com as pessoas de lá. Isso cria uma instabilidade, inclusive jurídica, muito grande”.

Como mostrou reportagem do Valor, as sanções podem incluir, por exemplo, o setor financeiro.

“Existem lugares que têm legislação muito restritiva em relação a organizações terroristas. Para alguns, não precisa nem ter trânsito em julgado e já pode dar início a uma série de gatilhos e restrições que impedem a contratação de empresas daquele país”, diz Marivaldo Pereira, secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). “Se banalizarmos isso, podemos criar uma série de barreiras para empresas nacionais, para acesso a crédito e financiamento, sobre as quais pairam algum suspeita sem dar direito ao contraditório e à ampla defesa.”

Galeno observa que as sanções também podem ocorrer dentro do próprio Brasil. “Se o Estado considera grupos de narcotraficantes como terroristas e se um integrante desses grupos for descoberto em alguma instituição financeira, nas forças policiais, em agências governamentais, isso poderia levar a sanções tanto de empresas quanto de Estados a essas entidades governamentais públicas”, afirma.

Pereira, secretário no MJSP, diz que, desde as discussões sobre a Lei Antiterrorismo de 2016, havia uma preocupação, sobretudo do Ministério da Fazenda da época, de uma ampliação muito grande do conceito de terrorismo. “A preocupação era que a banalização do termo ‘terrorismo’, abrangendo todo tipo de criminalidade, seria um tiro no pé, porque impactaria diretamente o risco-país. Isso afetaria também os juros previstos e o oferecimento de crédito”, afirma.

Segundo ele, a preocupação é grande, principalmente, com empresas que dependem de financiamento estrangeiro para suas atividades. Entre elas, diz, era citada a relação entre seguradoras e resseguradoras, que fornecem seguro para seguradoras. “Seguradoras com grandes segurados precisam contratar resseguros internacionais, porque, se houver sinistro, nem sempre elas têm como bancar sozinhas. O contrato depende muito da avaliação de risco, e banalizar o conceito de terrorismo pode impactar diretamente essa situação”, afirma Pereira.

Ele pondera que o reconhecimento ou não pelo Brasil de facções criminosas enquanto grupos terroristas não implica que outros países adotarão a mesma avaliação. “Mas o fato de o próprio país reconhecer organizações criminosas como terroristas deve tornar mais automática essa compreensão por outros países.”

O secretário defende ainda que alterar o enquadramento das facções não traz nenhum avanço na percepção penal e no enfrentamento dessas organizações. “Tudo o que você pensar de rigor, de celeridade que poderia fazer contra terroristas, já pode fazer na lei de organizações criminosas. Ela é a base para o combate ao terrorismo. Tanto que o governo mandou uma proposta que aumenta o rigor das penas para organização criminosa, reduz prazos para tramitação e cria celeridade na expropriação de bens. Se queremos aumentar o rigor, vamos mudar a lei das organizações criminosas.”

Há ainda um risco adicional: o de alguns países com outros interesses darem uma aparência de legitimidade a ações violentas de caráter militar no Brasil justificando proteger a população civil de terroristas, aponta Galeno, do Ibmec. “É o que estamos vendo os EUA fazerem no caso da Venezuela. A probabilidade é muito maior de haver consequências econômicas, financeiras, sanções. A probabilidade de ação militar no Brasil é muito pequena, mas as consequências seriam tão graves que é melhor não arriscar nem tomar nenhuma atitude imprudente”.

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