
Dívidas de maior risco saltaram de 8,2% para 8,9% entre janeiro e setembro em parte devido a mudanças contábeis
O percentual de créditos classificados como de “maior risco” de micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) está aumentando desde o início do ano. Dados do Banco Central (BC) mostram que a taxa subiu de 8,2% para 8,9% entre janeiro e setembro. Parte desse movimento se deve às mudanças contábeis trazidas pela resolução do BC 4.966, mas os bancos admitem que a inadimplência nesse segmento tem subido e demanda atenção, apesar de, por enquanto, não ser nada que assuste. A expectativa de queda da Selic no início do próximo ano também traz algum alívio.
O indicador de ativos de maior risco considera instrumentos financeiros e operações de crédito, alocadas no chamado “terceiro estágio” – operações com problemas de recuperação de crédito. Essa classificação é prevista na norma 4.966, que entrou em vigor no Brasil no início deste ano. Já a taxa de inadimplência de MPMEs, que era de 4,5% em janeiro, avançou para 5,4% em setembro, depois de ter batido 5,5% em agosto, o maior nível desde maio de 2018.
A última edição do Relatório de Política Monetária apresentou um estudo que estima que cerca de 70% do aumento da inadimplência geral no primeiro semestre deste ano esteja associada aos efeitos da mudança da 4.966.
Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners, destaca que o mercado de crédito tem registrado crescimento em ritmo forte mesmo com os juros em patamares elevados. A taxa básica de juros, Selic, está em 15% ao ano e o Comitê de Política Monetária (Copom) já indicou a necessidade de manter os juros altos “por período bastante prolongado”, segundo a última ata.
Jacomassi aponta que uma das hipóteses para explicar o comportamento das MPMEs e das grandes empresas está relacionada aos instrumentos disponíveis para cada uma. Grandes empresas conseguem acessar operações estruturadas, podem emitir debêntures, além de ter mais garantias. “Já as pequenas e médias não têm esse grau de liberdade com outros instrumentos e ficam muito presas em modalidades como o capital de giro e desconto de duplicatas”, disse.
Na divulgação do balanço do terceiro trimestre, o vice-presidente financeiro do Santander, Gustavo Alejo, afirmou que a inadimplência de curto prazo tem melhorado, especialmente em pessoa física. “Todas as ‘safras’ estão performando bem, onde vemos um pouco de preocupação é em pequenas empresas”, comentou.
“Pequenas e médias ficam muito presas em modalidades como capital de giro e desconto de duplicatas”
— Ricardo Jacomassi
Já o Itaú afirmou que, conforme era esperado, houve aumento de 0,1 ponto na inadimplência de MPMEs na passagem do segundo para o terceiro trimestre, “por conta da normalização do indicador em função do fim das carências dos programas governamentais.” No Bradesco esse indicador caiu e o CEO, Marcelo Noronha, disse ver espaço para novas reduções, embora a inadimplência geral do banco deve permanecer relativamente estável nos próximos trimestres.
Estudo do BC publicado no último Relatório de Estabilidade Financeira (REF) apontou que nas fases de elevação de juros, as empresas menores são afetadas primeiro, o que impacta sua capacidade de pagamento. “Elas são afetadas mais rapidamente por terem uma rolagem mais curta de suas dívidas, o que impacta diretamente o aumento das suas despesas com juros”, apontou o estudo.
Ricardo Moura, diretor de relações com investidores, M&A e estratégia do ABC Brasil, corrobora essa visão. Ele aponta que as empresas menores não se beneficiaram tanto da expansão dos mercados de capitais nos últimos anos e, assim, em ciclos de juros mais elevados, acabam sendo obrigadas a tomar empréstimos bancários mais caros. “Elas não têm o passivo com perfil mais alongado e acabam sofrendo mais.” Com um conservadorismo do banco, a inadimplência no ‘middle’ caiu bem na passagem de junho para setembro, mas o executivo diz que daqui para frente não vê ambiente para novas quedas.
Em nota, o presidente do Sebrae, Décio Lima, diz que a variação observada nas MPMEs é “moderada e compatível” com o atual ciclo econômico. “Esse movimento não representa uma deterioração fora de controle, mas um ajuste natural em um ambiente de crédito mais seletivo e custos financeiros elevados”, afirma. Ele ainda destaca que a expectativa para os próximos meses é de estabilidade e até melhora gradual com um ambiente econômico mais previsível e ganho de força de medidas de apoio e renegociação dos créditos. “Há desafios, mas também há instrumentos e caminhos para enfrentá-los de forma responsável”.
A regra da 4.966 segue o conceito de perdas esperadas, substituindo a metodologia anterior baseada em perdas incorridas. Nessa nova regra, as instituições devem fazer análises econômicas para calcular a possibilidade de inadimplência. Além disso, demora mais tempo para ativos problemáticas serem baixados a prejuízo, o que aumenta o numerador ao longo do tempo e acaba elevando a inadimplência. “Os bancos precisam provisionar aquilo que tem uma probabilidade de inadimplência futura analisando o cenário econômico e setorial”, explica Gisele Assis, sócia de meios de pagamento e regulação do escritório /asbz.
Segundo a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), o cenário econômico impulsiona a elevação da inadimplência, particularmente para as MPMEs. No entanto, destaca em nota que grande parte do aumento do saldo em maior risco está relacionado à mudança contábil. “A mudança na dinâmica do reconhecimento das perdas esperadas e da baixa para prejuízo por parte das instituições financeiras tem tido impacto na alocação das operações de crédito no estágio 3. Esse processo demandará um tempo para que as réguas de cobrança das instituições financeiras estejam alinhadas ao novo arcabouço normativo”, diz a ABBC.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta que o aumento da inadimplência de micro e pequenas empresas é parcialmente explicado pela mudança na 4.966, mas também há um crescimento real principalmente devido ao cenário de juros elevados. A Febraban cita programas como o Pronampe, com crédito voltado para pequenas empresas, que tem taxas atreladas à Selic. “Com o cenário mais provável de não aumento da Selic, é possível observar melhora a partir do início do próximo ano”, aponta.
Ainda de acordo com a Febraban, o cenário para grandes empresas segue favorável pela liquidez do mercado de capitais. “Contudo, surgem sinais pontuais de risco, como pedidos de recuperação judicial, exigindo atenção”
A situação das MPMEs transborda para outros indicadores, como mostram dados da Serasa Experian. Dados até julho mostram que 7,6 milhões de pequenas e médias empresas estão inadimplentes com algum compromisso, seja um empréstimo, uma conta de luz ou pagamento de fornecedor, por exemplo. São 54 milhões de dívidas negativadas.
Camila Abdelmalack, economista-chefe da Serasa Experian, destaca que no cenário atual de desaceleração do mercado de crédito, as micro e pequenas empresas ainda enfrentam dificuldade para rolar dívida entre as instituições. “Vínhamos de um ambiente que a oferta estava maior, com uma facilidade maior para você renegociar prazos e rolar dívidas entre instituições. Agora com o crédito mais escasso, isso começa a se manifestar nesse quadro de inadimplência”, diz.
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