
Fatores técnicos ainda limitam migração total de companhias para o Pix
Mesmo após cinco anos da criação do Pix, a Transferência Eletrônica Disponível (TED) continua sendo o meio preferido para operações de alto valor. Dados do Banco Central (BC) mostram que, embora o Pix tenha se tornado líder em número de transações já em 2021, a TED ainda é maior em volume financeiro movimentado.
Embora o BC não divulgue a divisão entre pessoas físicas e jurídicas, dados processados pela Núclea indicam que 85% das TEDs realizadas em 2025 partiram de empresas. A proporção tem se mantido estável, já que em 2022 era de 83% e 17% para pessoas físicas. A Núclea processa TEDs de até R$ 1 milhão, enquanto as operações acima desse valor são feitas diretamente pelo BC.
A resistência das empresas em migrar para o Pix está mais relacionada a fatores técnicos e de segurança do que a custo. “Quando a gente fala em custo da transação, o da TED já é muito baixo também. Para os bancos, o custo da TED fica em torno de R$ 0,01 a R$ 0,02. O Pix é 0,1 centavo, mas quando a gente fala de transações de milhares e milhões de reais, isso é irrisório”, afirma Rodrigo Furiato, vice-presidente de negócios da Núclea.
A questão é que migrar as operações para o Pix implica atualização de sistemas de gestão empresarial (ERPs) legados, que ainda não são compatíveis, especialmente em grandes empresas.
“As empresas têm um trabalho reconciliatório enorme, e estavam preparadas para conciliar TED, DOC, cheque, boleto. Para migrar ao Pix, precisam adaptar os seus sistemas”, diz Adriano Milani, responsável por serviços financeiros do Citi.
“[A TED] está muito voltada para grandes empresas que transacionam valores muito altos, por exemplo, num contas a pagar ou em sistemas legados, e ainda não valeu a pena atualizar para o Pix”, afirma Francisco Carvalho, diretor de produtos e tecnologia da informação da Efí Bank.
Embora atenda principalmente pequenas e médias empresas (PMEs), a Efí também analisou dados da sua base para comparar as transações. Enquanto no Pix as transferências médias são de R$ 90 a R$ 140, na TED o valor sobe para R$ 15 mil a R$ 17 mil.
Para Fábio Montanari, CEO da Montanari Tecnologia, há ainda uma barreira ligada à governança. “Grandes empresas têm muito a questão de ‘compliance’, de ter um processo com uma certa maturidade para poder fazer essa migração, porque são valores muito altos nessas transações.”
Furiato reforça que a segurança é um ponto crucial, já que o Pix é mais suscetível a erros humanos.
“Imagina uma empresa fazendo uma transferência de milhões de reais. Se quem está digitando erra um número, isso vai para o lugar errado”, diz. “Na TED, por mais que seja mais complexo imputar agência, conta, CNPJ e tudo mais, se algum dado for errado, a TED volta.”
A atualização em tecnologia é necessária porque a TED e o Pix operam em caminhos diferentes no BC. A TED é processada no Sistema de Transferência de Reservas (STR), considerado o coração do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Já o Pix roda no Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI).
Se a migração representa custo adicional para as empresas, por outro lado, poderia reduzir despesas do próprio BC, que hoje precisa manter as duas infraestruturas. Especialistas ouvidos pelo Valor dizem que o BC preferiria se concentrar no Pix em vez de manter também a TED. Procurado, o BC não comentou.
Na visão de Carvalho, da Efí, é questão de tempo até o Pix ultrapassar a TED também em volume financeiro. “O ciclo de vida do produto do Pix ainda não terminou. Pessoas físicas nem lembram mais o que é TED, pequenas e médias empresas têm uma adesão muito grande, mas a fatia ‘corporate’ ainda apresenta alta utilização de TED por conta de um [sistema de] contas a pagar legado.”
Milani, do Citi, destaca que a adesão das empresas ao Pix já é significativa, mas a migração das grandes companhias que ainda usam TED só acontecerá se enxergarem alguma vantagem em fazer o investimento — que pode ser a disponibilidade ininterrupta ou mesmo a criação de um Pix internacional. “Para empresas que importam e exportam, isso pode ser ainda mais transformador do que foi o Pix.”
Para Furiato, as duas modalidades continuarão convivendo. Segundo ele, a TED ainda tem papel relevante como contingência natural ao Pix, além de ser demandada pelo mercado como um trilho de pagamento alternativo. “A nossa convicção é que esses dois meios de pagamento vão coexistir por um bom tempo.”
Apostando nisso, a Núclea vem investindo na modernização da infraestrutura da TED e estuda torná-la disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. “A gente passou os últimos dois anos modernizando o sistema da TED da Núclea e a gente tem discutido, inclusive, com o Banco Central a eventual possibilidade de migrar toda a transação de TED para cá, inclusive as acima de R$ 1 milhão”, diz Furiato.
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