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14 de dezembro de 2025 - 12:12

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Especialistas expõem como seletividade legal, insegurança jurídica e desenho frágil de garantias corroem a eficiência do sistema de insolvência durante 3ª edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e de Crédito

Quando uma empresa entra em crise, o País precisa de um mecanismo que preserve valor e distribua perdas com racionalidade. Duas décadas após a modernização do marco de insolvência, o que deveria ser trilha de reorganização virou percurso com placas trocadas: exceções proliferam, contratos perdem previsibilidade e garantias se dessolidificam. Esse retrato – amparado em experiência prática, crítica acadêmica e visão jurisdicional – emergiu do painel “Insolvência e recuperação de crédito”, mediado por Deborah Kirschbaum, diretora jurídica do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), na 3ª edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e de Crédito, promovido pelo Núcleo de Mercados Financeiro e de Capitais (MFCap) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito SP e pelo FGC.

Seletividade estrutural

O primeiro movimento veio da trincheira do contencioso empresarial. Para Fabiana Solano, advogada do Felsberg Advogados, a prática distanciou o sistema de seus objetivos declarados – reorganizar capitais e melhorar a distribuição entre credores – ao deslocar o foco para disputas sobre o que fica dentro ou fora do processo. “Virou uma desorganização e sem critérios do que está dentro e do que está fora”, afirmou. A advogada atacou o tabu que contamina o debate público: “ainda existe um estigma muito grande da peça do devedor insolvente. Então, ele é visto como um caloteiro”, afirmou.

3ª edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e de Crédito

A advogada reconheceu avanços institucionais, mas descreveu um pêndulo que, após a reforma de 2020, reforçou um mosaico de exclusões que esvazia a negociação: “hoje, invariavelmente, a regra é que 90% das dívidas estão fora da recuperação judicial”, disse, apontando o resultado prático: pressiona-se o Judiciário por proteções emergenciais, enquanto o objetivo central, “reorganizar a estrutura de capital da empresa e maximizar o pagamento da coletividade de credores”, se perde no ruído. O recado é pragmático: “nós avançamos muito, porque não tínhamos nada, mas é hora de jogar o jogo dentro das quatro linhas. Ou seja, fazer com que o sistema funcione segundo suas próprias regras – com previsibilidade, boa-fé e respeito aos limites da lei, sem que cada caso crie exceções novas e sem que o Judiciário precise reinventar o jogo a cada decisão”, afirmou.

Métricas ausentes

A lente acadêmica de Sheila Neder Cerezetti, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), reancorou o diagnóstico. “Nosso modelo de reestruturação empresarial não é verdadeiramente coletivo, mas seletivo.” Ao alimentar promessas que a arquitetura não entrega, multiplicam-se frustrações. Dois nós concentram seus alertas. O primeiro, de desenho: a recuperação lida com fatia do passivo, não com a estrutura de capital como um todo – de um lado, os sócios podem manter valor sem que a repartição observe uma regra de prioridade absoluta; de outro, parcela importante dos credores não se sujeita à recuperação. O segundo, de método: faltam salvaguardas mínimas para aferir se um plano paga ao menos o “valor de liquidação” e para pautar o tratamento dos credores. “Não há uma regra que garanta que esse credor vai receber pelo menos o que ele vai receber na falência nem proteções adequadas à minoria”, resumiu. “Sem informações adequadas e parâmetros apropriados a orientar a distribuição de valores, a decisão entre reestruturação e dissolução vira ato de fé”, completou.

Risco jurídico

Já Renata Mota Maciel, juíza de Direito e professora, colocou o dedo na ferida da previsibilidade. A magistrada reconheceu avanços em temas como a definição de créditos sujeitos, mas criticou flexibilizações que deformam contratos e encarecem o financiamento futuro. “Essas decisões desestabilizam”, disse, ao comentar casos que alargam, sem base robusta, a noção de “bem de capital essencial” ou homologam planos à revelia de quóruns legais sob o pretexto de “preservar a empresa”. Reiterou um ponto consolidado – ainda assim controverso no dia a dia: “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem dito reiteradamente que dinheiro não é bem de capital essencial”.

A juíza alertou que a distância entre tribunais superiores e primeiro grau, somada às especificidades regionais, como as do agronegócio, cria um mapa irregular de risco. O efeito é circular: incerteza gera prêmios mais altos; o crédito mais caro aumenta a fragilidade; a fragilidade volta ao Judiciário, que, pressionado, às vezes “abre o compasso” e agrava a incerteza inicial.

Hierarquias claras

Fechando o arco, Cássio Cavalli, professor da FGV Direito SP, chamou atenção para um ponto anterior às disputas judiciais: a desordem das preferências creditórias, isto é, a hierarquia que define quem recebe primeiro quando uma empresa entra em insolvência. “O Brasil trata muitíssimo mal esse tema. Esse é um não assunto do direito brasileiro”, afirmou. O professor explicou que, ao longo do tempo, a legislação e a jurisprudência criaram uma sucessão de exceções – créditos tributários e trabalhistas, multas e garantias públicas – que corrompem a fila natural de pagamento e fazem com que todos os credores passem a enxergar o mesmo risco: o pior possível. O resultado é previsível: o custo do crédito dispara, e o país perde competitividade.

Cavalli também alertou que a erosão das garantias reais e a banalização da chamada consolidação substancial, que une empresas de um mesmo grupo em uma única recuperação judicial, agravam o problema. “As garantias reais já morreram; o penhor e a hipoteca viraram zumbis do sistema jurídico”, provocou. Para ele, enquanto o Brasil não reorganizar essa hierarquia – definindo, de forma estável, quem tem prioridade e por quê –, o crédito continuará caro, a inadimplência, elevada, e a confiança no sistema financeiro, comprometida.

Ao conectar micro e macro, Cavalli expôs a conta social de uma engrenagem emperrada. “Nós investimos mais em Judiciário do que em saneamento básico”, lembrou, citando o congestionamento massivo de execuções que não recuperam valor nem sinalizam segurança. Para ele, enquanto o País não alinhar Código Civil, Processo, Tributário e Lei de Falências – redesenhando prioridades, blindando garantias e dando efetividade processual às preferências –, o sistema seguirá nivelando por baixo.

Ordenar, medir e respeitar

A travessia proposta pelos quatro convergiu em três pontos: ordenar, medir, respeitar. Ordenar significa recompor o escopo do processo, reduzir exceções, cuidar para que a mesa de negociação seja realmente coletiva e não um tabuleiro de ausentes. Medir implica trazer avaliação econômica para o centro, com parâmetros que permitam comparar, com transparência, reestruturação e liquidação – sem isso, planos viram apostas de baixa responsabilidade. Respeitar exige que contratos e garantias valham como desenhados, com o Judiciário atuando como guardião de previsibilidade, não como fonte adicional de risco.

Ao encerrar o painel, a mediadora Deborah Kirschbaum sintetizou o sentimento de urgência e provocou o público a olhar além das reformas pontuais. “O que todos nós apontamos é a necessidade de, em algum momento, revisar esse modelo”, afirmou. “É um sistema com muitas assimetrias, e a sociedade brasileira precisa refletir sobre o que está funcionando e o que não está funcionando”, afirmou.

Sanções do Banco Central revelam mudanças na regulação financeira

Pesquisa da UFMG e da FGV mostra queda nas punições e alta nos acordos; especialistas discutem transparência, governança e novos riscos no sistema financeiro

O poder sancionador do Banco Central do Brasil ganhou lupa acadêmica e virou fio condutor de um debate raro – e necessário – sobre como punir sem abalar a confiança. O painel “Atividade sancionadora do Banco Central do Brasil em números” revelou tendências e transformações na forma como o regulador supervisiona e penaliza o setor. Dados apresentados pela professora Rubia Carneiro Neves, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostraram não apenas o volume e o perfil das sanções, mas, também, a ampliação de acordos e o avanço de uma regulação que se apoia cada vez mais na governança e na prevenção.

Fiscalização punitiva

No jargão regulatório, a chamada atividade sancionadora ou enforcement corresponde ao braço fiscalizador do Banco Central: a apuração de infrações, a abertura de processos e a aplicação de penalidades – ou, em muitos casos, a celebração de termos de compromisso com a fixação de obrigações pecuniárias e não pecuniárias. Trata-se do mecanismo que garante disciplina no sistema financeiro e busca evitar riscos sistêmicos.

Segundo Rubia, o “MonitoraSFN”, grupo de pesquisa fruto da parceria entre UFMG e Fundação Getulio Vargas (FGV) analisou três anos de decisões do Comitê de Processos Administrativos Sancionadores. “O Banco Central tem instaurado uma média de 40 processos sancionadores por ano”, explicou. Em 2024, apenas 29% das acusações resultaram em punições formais, número menor do que nos anos anteriores, o que, segundo ela, está diretamente ligado ao crescimento dos acordos firmados. “Há uma média de 94% de possibilidades de aplicação de penalidade ou de celebração de termos de compromisso”, detalhou.

3ª edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e de Crédito

Perfil dos acusados

O levantamento mostrou que 90% dos acusados são pessoas físicas, sendo 72% ligados a cooperativas de crédito em 2024. Entre as instituições reguladas, bancos múltiplos e comerciais continuam respondendo pela maior fatia das ações, mas as cooperativas vêm ganhando destaque.

As infrações mais recorrentes envolvem falhas de administração e fiscalização, que dobraram entre 2022 e 2024. “Isso é um indicador de que precisamos educar melhor esses administradores”, afirmou Rubia, ressaltando que os dados apontam para carências de formação e para a necessidade de aprimorar políticas de gestão e controle interno.

Governança e confiança

A procuradora Luciana Lima, do Banco Central, reforçou a relação entre regulação e estabilidade. Ela lembrou decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu a importância do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) como parte do arranjo de confiança do sistema. “No Brasil, o Banco Central e o FGC cumprem o papel de contribuir para a estabilidade do sistema financeiro”, disse.

Para a procuradora, o poder punitivo do Banco Central não deve ser visto apenas como repressão, mas como prevenção. “A atividade sancionadora é uma agenda de prevenção”, afirmou. “O que nós queremos agora é previsibilidade e confiança”, completou.

Supervisão mais próxima

O diretor jurídico e de compliance Rui Fernando Ramos Alves, do Deutsch Bank, destacou a transformação na relação entre o Banco Central e as instituições supervisionadas. “Nós temos um regulador que conquistou uma credibilidade”, afirmou. Segundo ele, o ambiente atual privilegia o diálogo e a correção de falhas antes que se tornem crises. “A atuação do Banco Central nessa área de fiscalização melhorou bastante”, observou. Segundo ele, “hoje não existe aquela mentalidade punitiva”, o que abre espaço para ajustes e, quando necessário, para termos de compromisso.

Novos desafios

O avanço das instituições de pagamento e dos meios digitais foi abordado por Gabriel Cohen, head de Regulação Financeira da Stone. “A Lei nº 12.865 já foi responsável por catalisar o que a gente tem hoje: mais de 200 milhões de brasileiros incluídos financeiramente”, afirmou.

Rubia chamou atenção para a ausência dessas empresas nas estatísticas recentes. “Em 2022, nós tivemos apenas uma instituição de pagamento; em 2023, duas; e em 2024, nenhuma”, disse. O contraste com a expansão do setor – mais de 170 instituições hoje autorizadas pelo Banco Central –, segundo ela, indica a necessidade de atenção do regulador, especialmente diante de novos riscos cibernéticos e operacionais.

Vazamentos e PIX

O relatório de 2024 introduziu um tema emergente: incidentes envolvendo o PIX. Um dos processos analisados envolveu vazamento de dados de mais de 400 mil chaves, que resultou em multa e na obrigatoriedade de adoção de planos de segurança cibernética. Rubia comparou o caso a outro, mais grave, que atingiu “mais de 11 milhões de pessoas e 46 milhões de chaves PIX”. Para ela, esses episódios consolidam a resiliência cibernética como prioridade regulatória.

Já a advogada Grasiela Cerbino abordou o equilíbrio entre sigilo e transparência. “O sigilo é pilar do sistema financeiro”, observou. Mas ponderou que há espaço para mais abertura, principalmente sobre os termos de compromisso. “Nós talvez possamos mitigar esse sigilo em algumas circunstâncias”, defendeu.

Para ela, divulgar mais informações sobre acordos de menor impacto pode induzir o mercado a adotar boas práticas. Grasiela também propôs estudar mecanismos que ampliem a capacidade de atuação do FGC, inclusive com a aproximação entre o mercado bancário e o de capitais para melhorar a liquidez dos fundos de garantia.

Punições e acordos

Outro ponto destacado por Rubia foi a mudança no regime de dosimetria das sanções, que passou a adotar metodologia mais moderna. “Em 100% dos casos de 2024 houve aplicação do novo regime”, relatou. As multas continuam sendo o instrumento preferencial, isoladas ou combinadas com inabilitações.

A queda no número de punições não significa tolerância, afirmou. “Quando o Banco Central está em um processo administrativo sancionador, a probabilidade de ter ocorrido irregularidade é muito grande.” A redução, portanto, reflete a preferência por soluções negociadas, capazes de corrigir falhas antes que se transformem em crises.

Um sistema em evolução

O painel, que contou com mediação de Bruno Meyerhof Salama, professor da UC Berkeley Law e da FGV Direito SP, revelou uma regulação em transformação. De um lado, a queda das condenações e o aumento dos acordos; de outro, o foco crescente em governança, transparência e estabilidade. A tendência, segundo os especialistas, é que o Banco Central continue ampliando sua atuação preventiva – combinando com o mercado e capacidade de resposta rápida diante de novas ameaças tecnológicas. Mais do que punir, o desafio é educar, antecipar e proteger. Como sintetizou Luciana Lima, a meta é simples na teoria, mas complexa na prática: “previsibilidade e confiança”.

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