
A finalidade da recuperação judicial não é salvar empresários e empresas a qualquer custo
Todo negócio envolve riscos. No agronegócio brasileiro não é diferente, pois mesmo sendo um setor vital, ainda há fortunas que se perdem por falta de governança. A recuperação judicial (RJ) tem crescido no Brasil e temos nos deparado com seu uso excessivo e até ilegítimo por produtores rurais.
Um levantamento da Swot Global Consulting mostra que, neste ano, deve-se ultrapassar três mil pedidos de recuperações judiciais, especialmente no varejo, construção e agronegócio. Esse último setor já vem apresentando aumento expressivo de recuperações judiciais: segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) e a Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), os pedidos feitos por produtores rurais somaram 2.273 em 2024, elevação de 61,8%.
Todo remédio usado na dose errada pode se tornar um veneno. A tentação de pedir recuperação judicial se tornou uma verdadeira praga no campo, onde muitos produtores se veem atraídos por promessas de pagamento de dívida com grande desconto e longos prazos, enquanto conseguem a suspensão de ações e execuções durante o stay period, vivendo a falsa sensação de vitória.
A recuperação judicial é um procedimento longo e oneroso, com gastos milionários não só com advogados, mas também com administradores judiciais, contadores e equipes multidisciplinares.
Diariamente, nos deparamos com excessiva benevolência do Judiciário com os devedores, que acabam tendo seus pedidos atendidos, mas sem levar tão em conta os créditos dos demais envolvidos e como interpretações que flexibilizam o texto da lei para facilitar as recuperações judiciais, algumas fraudulentas, a pretexto de preservar empregos e renda, acabam impactando no crédito rural.
A finalidade da recuperação judicial não é salvar empresários e empresas a qualquer custo! O princípio da preservação da empresa deve andar de mãos dadas com a função social da própria recuperação judicial, que passa pela redistribuição dos ativos, bens e propriedades para empresários que saibam trabalhar com governança e compliance.
O contraponto vem na restrição ao crédito, no aumento do spread e no endurecimento na exigência de garantias para financiamento. Não há vida fácil para quem pede recuperação judicial e para aqueles que se utilizam dela sem necessidade. A solução para os abusos está na lei e é preciso que se perca o pudor de aplicá-la, mesmo quando o remédio seja amargo: a falência.
Há tentativas de mudanças visando uma harmonização para o setor como o Projeto de Lei (PL) nº 03/2024, que propõe alterações à Lei nº 11.101/2005, principalmente quanto ao procedimento falimentar. Uma das sugestões do PL é a criação da figura do gestor fiduciário, a ser eleito pelos próprios credores como um substituto do administrador judicial.
O gestor fiduciário atrairia a responsabilidade de apresentar plano de falência, arrecadar os ativos da massa falida e realizar os pagamentos do crédito. O texto vem recebendo críticas e apontamentos de especialistas e aguarda a apreciação do Senado.
Outro projeto, o PL 5.122/2023, que também está em análise no Senado, pode impactar no número de distribuição de pedidos de recuperações judiciais no agro, pois propõe o uso de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para criação de uma linha especial de financiamento para produtores rurais afetados por eventos climáticos.
Enquanto a legislação não passa por essas mudanças, é importante buscar medidas de prevenção. Embora a recuperação judicial seja um mecanismo à disposição dos produtores rurais, ela se torna, de fato, um impedimento para evolução do negócio e de histórias de sucesso porque é extremamente onerosa, longa e mina a credibilidade da empresa e do empresário.
A principal estratégia para evitá-la é não estrangular o caixa assumindo obrigações e realizando investimentos sem necessidade e sem a certeza de que poderão ser cumpridos. Na ânsia de expandir as áreas de cultivo, produtores compram e arrendam mais terras do que são capazes de gerir, sem caixa, alavancando-se e colocando em risco todo o restante da atividade que, até então, caminhava bem.
Instituições financeiras e credores em geral tem arcado ao longo dos anos com a sua parcela de responsabilidade. Afinal, sempre que erram na concessão de crédito, se vem sujeitos a deságios e prazos de pagamento impensáveis. O mesmo ocorre quando esses mesmos credores falham na análise e obtenção de garantias. Mas e os produtores rurais que atuam de maneira amadora, sem gestão e sem governança, quando esses passarão a responder pelas suas decisões?
Para isso, o produtor deve ter uma assessoria contábil e jurídica especializada para que o diagnóstico da situação de crise seja estudado, além da necessária organização da estrutura interna da empresa, com sua estruturação bem planejada, estabelecendo de maneira clara as funções de cada área, setor e pessoa.
É necessário manter uma gestão consistente, especialmente nos setores contábil, compliance, jurídico e de governança, para que eles fiquem permanentemente alinhados com o propósito da empresa e sua capacidade de funcionamento.
A utilização da recuperação judicial deve ser pensada como um procedimento temporário, pois a sua concessão se presta a auxiliar na superação da crise econômico-financeira momentânea. É por isso que a lei exige a comprovação da atividade pelo prazo mínimo de dois anos, demonstrando que o devedor possui know-how na atividade desempenhada e que atua de forma consolidada com capacidade de se recompor.
A relevância dessas medidas é fundamental não apenas para o produtor que atua em seu negócio, mas para a manutenção da atividade agro e sua função primordial tanto no aspecto social, quanto na sua contribuição para a economia regional e nacional, impedindo o rompimento do fluxo financeiro da cadeia de valor do agro.
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.