
Para Renato Camargo, vice-presidente de marketing da Pague Menos, a farmácia deixou de ser ponto de venda e virou balcão de saúde. O impulso vem de consumidores mais jovens que valorizam prevenção e imediatismo.
Essa mudança de comportamento impacta no mix de produtos, no jeito de comunicar e até na linguagem. O canal digital é importante pois dá agilidade. “Mas [o cliente] quer falar com gente, não com robô”. A seguir, a entrevista:
Valor: No livro “Hospitalidade Irracional”, Will Guidara diz que a verdadeira hospitalidade acontece quando alguém se sente “visto”. Como isso se aplica às farmácias?
Renato Camargo: A gente costuma dizer internamente: não vendemos remédio, vendemos acolhimento. Quem entra numa farmácia pode estar vivendo qualquer coisa – desde o momento mais banal, como escolher um xampu, até o mais delicado, como lidar com uma doença grave na família. Então o desafio é enxergar o que não é dito. Hospitalidade, para nós, é sobre empatia. É ler o cliente além da transação, entender se ele está fragilizado, ansioso, cansado. Às vezes, ele só precisa ser ouvido. Isso é mensurável: aparece na recorrência, no tempo médio de permanência, nas pesquisas de satisfação. A diferença entre atendimento e hospitalidade é justamente o cuidado e é isso que cria vínculo de longo prazo.
Valor: Quando há um cenário de inflação e juros altos, como o consumidor se comporta?
Camargo: O consumidor corta supérfluos, mas não corta a saúde. O que ele faz é reorganizar: troca a marca de referência pelo genérico, adere a programas de desconto, busca alternativas mais acessíveis. A farmácia se beneficia desse movimento porque é próxima, acessível e confiável. Quando o sistema público ou os planos de saúde estão sobrecarregados, é ali que o brasileiro resolve. Por isso, o setor vem crescendo mesmo em cenário macroeconômico difícil, pois combina conveniência, preço e cuidado.
Valor: O senhor diz que o público da farmácia está rejuvenescendo. O que explica esse movimento?
Camargo: Dois fatores principais. O primeiro é a saúde mental: o uso de psicotrópicos aumentou muito entre 25 e 35 anos, faixa etária que até pouco tempo não era central no varejo farma. O segundo é o comportamento da geração Z, que é mais preventiva. Eles se cuidam para não “estragar o rolê”. Essa geração é imediatista, resolve tudo na hora. Se está com dor de cabeça, vai na farmácia. Se quer melhorar o cabelo, a pele, a imunidade, busca orientação e compra ali. Isso muda o mix de produtos, o jeito de comunicar e até a linguagem. A saúde deixou de ser “coisa de velho” e virou parte do estilo de vida.
Valor: E no digital, quais canais lideram essa mudança?
Camargo: O WhatsApp virou o novo balcão. O cliente manda foto da receita, pergunta se pode trocar o genérico, tira dúvidas sobre o uso do medicamento. Ele quer agilidade, mas quer falar com gente, não com robô. No interior, o telefone e o site ainda são fortes; nas capitais, o aplicativo ganha relevância. Forçar um único canal seria um erro. O segredo é deixar o cliente escolher e garantir que a experiência seja humana em todos eles. É o que eu chamo de “omnichannel” com alma.
Valor: Quando a empresa chegou a São Paulo, houve preconceito por ser marca nordestina. E hoje?
Camargo: Hoje, virou força. Lá atrás, houve desconfiança. Como se um modelo mais afetivo, mais próximo, fosse “menos profissional”. Mas o que chamavam de informalidade é o que o cliente chama de humanidade. O farmacêutico que conhece o cliente pelo nome, pergunta da família, escuta. Esse é o diferencial. A farmácia, especialmente no Nordeste e no interior, é o último espaço de convivência do bairro. Para muita gente, é onde ainda existe conversa, acolhimento, olho no olho.
Valor: O sistema de saúde, público e privado, vive uma crise de acesso. Qual o papel do varejo de saúde nesse cenário?
Camargo: Um papel central. O Brasil precisa de soluções de escala, e a farmácia tem capilaridade para ser o braço da atenção primária. Hoje, 80% dos atendimentos de pronto-socorro poderiam ser resolvidos com uma triagem simples ou uma consulta rápida. Se integrassem digitalmente farmácias, médicos e programas públicos, aliviaríamos uma pressão enorme. O país já tem estrutura pronta; falta coordenação. E isso não é política, é eficiência.
Valor: A ampliação de serviços nas farmácias – de testes e vacinas a telemedicina – é resposta conjuntural à pandemia ou estrutural?
Camargo: Estrutural. O Brasil tem mais de 90 mil farmácias espalhadas até em cidades onde não existe posto de saúde. Isso muda o mapa da saúde básica. A pandemia acelerou a percepção de que a farmácia é o lugar da primeira escuta: hoje se faz teste, vacina, acompanhamento de crônicos e até consulta médica por vídeo. Deixamos de ser só um balcão de produto e viramos um balcão de cuidado. É uma mudança de paradigma que desafoga o sistema. Em 30 minutos, uma pessoa pode resolver algo que levaria horas num pronto-socorro e a um custo muito menor.
Valor: A telemedicina foi decisiva nessa transição?
Camargo: Sem dúvida. A regulamentação na pandemia foi um divisor de águas. Antes, o farmacêutico só podia ouvir e encaminhar; hoje, ele conecta o paciente ao médico por vídeo, acompanha o atendimento e já entrega o tratamento indicado [...] É o futuro da atenção primária e o Brasil tem capilaridade para liderar esse modelo no mundo.
Valor: O que ainda é diferencial no varejo de saúde?
Camargo: Afeto. Todo mundo vende o mesmo remédio, às vezes pelo mesmo preço. O que muda é o jeito de cuidar. Hospitalidade é o que faz o cliente lembrar da marca sem ver o logo.
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