
Por: Felipe Marques
Em um grande banco brasileiro, a equipe responsável por monitorar a qualidade de crédito nas carteiras de pessoa física passa um pente-fino nos tomadores em busca de inadimplentes em potencial. Em vez de esperar que o cliente deixe de pagar, a ordem é identificar situações de “pré-inadimplência” e já partir para renegociação.
O alvo dessa estratégia são tomadores que viram a renda apertar, cujo endividamento cresceu e o orçamento ficou perto de estourar. Esse “oráculo do crédito”, inaugurado em meados do ano passado, é apenas uma das ferramentas que esse banco tem usado para reduzir as consequências do avanço do desemprego e da deterioração da renda sobre seus resultados. Isso dá uma ideia de como o setor tem se organizando.
“Os mecanismos de controle da qualidade da carteira de crédito estão sendo avaliados com mais cuidado”, afirma o executivo dessa instituição financeira. “Se o cliente deixa de pagar, o gerente entra em contato já no dia seguinte. O acompanhamento está mais próximo e o controle, mais rígido.”
Segundo ele, a frequência de renegociações de dívida aumentou e a repactuação ocorre cada vez mais cedo. “Inadimplência preocupa sim, mas temos conseguido segurar o nível de atrasos de dezembro nos três últimos meses.”
O relato é um sinal claro de que, embora a inadimplência ainda não tenha começado a subir, os bancos enxergam um risco crescente de calotes no país – com alguns especialistas apostando que a piora desses indicadores é questão de tempo. O desafio agora é mitigar esses efeitos.
Dados de crédito divulgados pelo Banco Central (BC) na quarta-feira sinalizam uma deterioração. Embora o índice de empréstimos atrasados acima de 90 dias tenha se mantido praticamente estável, a inadimplência antecedente, entre 15 a 90 dias, piorou de forma generalizada, com destaque para o crédito a empresas. Nas operações para pessoa física com recursos livres, o indicador avançou 0,2 ponto percentual entre janeiro e fevereiro, para 5,4%. Na pessoa jurídica, o crescimento foi de 0,4 ponto, para 3,3%.
Dos fatores que pressionam a inadimplência, em especial das famílias, o desemprego é o principal. Dados de fevereiro mostram uma acentuada piora nesse quesito. A taxa de desemprego atingiu 5,9%, superando projeção de analistas, e 0,8 ponto percentual acima de igual período de 2014.
“Quando vem o desemprego, não há o que fazer, independentemente de quão conservador se tenha sido”, afirma um alto executivo de um grande banco privado. “Nossa hipótese para o ano é de estabilidade, mas não me surpreenderia negativamente.”
A visão dele é que só o fato de o índice de inadimplência ter parado de melhorar já indica a deterioração da qualidade de crédito em algumas linhas. Isso porque continua o processo de troca da carteira de crédito dos bancos para modalidades de menor risco, como consignado e imobiliário, com menor inadimplência. Logo, deveria haver uma melhora no índice como um todo.
Também contribuem para um aumento no índice de calotes a subida dos juros, a expectativa de contração da atividade econômica em 2015 e a redução da capacidade de famílias e empresas rolarem suas dívidas.
“A inadimplência vai crescer, mas ainda não está claro com qual intensidade ou velocidade. Fevereiro e março deram indicações de que vai subir, mas o quadro mais claro só teremos entre maio e julho”, afirma o economista-chefe da Acrefi, associação que reúne as financeiras, Nicola Tingas.
Na visão dele, as pessoas físicas estão mais aptas a suportar um processo de perda de renda sem deixar de pagar o crédito “por um tempo”. A maior seletividade dos bancos no segmento e o conservadorismo das famílias ao se endividar pavimentou esse cenário. “Na pessoa jurídica, o cenário é mais delicado. Os custos subiram de uma vez, as vendas caíram rapidamente e o crédito escasseou. A inadimplência potencial na pessoa jurídica é maior hoje que na física”, diz.
Para Flavio Suchek, presidente da Recovery, especializada em recuperar créditos inadimplentes, há uma pressão sobre a inadimplência. “Um aumento ainda não significativo da inadimplência está no radar para este ano.”
Mesmo em uma modalidade em que os bancos a muito custo conseguiram domar os calotes, o financiamento de veículos, a expectativa é de deterioração, ainda que os dados recentes ainda estejam contidos. “Até dezembro, a tendência era positiva, mas houve já alguma deterioração neste ano, tanto em pessoa física como na jurídica”, afirma Décio Carbonari de Almeida, presidente da Anef, associação que reúne os bancos de montadora.
No crédito para aquisição de veículos, os atrasos acima de 90 dias encerraram fevereiro em 3,9%, ante 5,1% no mesmo mês do ano anterior. O indicador antecedente variou de 7,5% para 7,1% na mesma comparação.
Não só modelos mais afinados de detecção de calotes vão ajudar a reduzir o estrago do cenário econômico em termos de inadimplência. Nos últimos anos, bancos e tomadores de crédito têm adotado alguns comportamentos que vão ajudar. “Os grandes bancos estão muito preparados, de uma maneira geral, para passar por essa tempestade”, afirma Eduardo Nishio, analista de bancos do Brasil Plural.
É o caso, por exemplo, de as carteiras de crédito terem hoje uma participação muito maior de modalidades com garantia. Na pessoa física, consignado e imobiliário representam 49% do crédito total. Outro fator que diminuiu o risco é o menor apetite de tomadores por endividamento nos últimos meses. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), com 18 mil consumidores, mostrou que 59,6% disseram estar endividados em março, ante 61% no mesmo mês do ano anterior.
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