
Entendimento derruba uma tutela favorável ao Grupo Metodista, do ano de 2022
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vedou que uma associação sem fins lucrativos possa pedir recuperação judicial. A decisão foi proferida de forma unânime. O entendimento derruba uma tutela favorável ao Grupo Metodista, do ano de 2022, que permitia à entidade se beneficiar do instituto para reestruturação. O representante legal do grupo informou que recorrerá.
A tendência é que o STJ vede a recuperação dessas associações, pois já existe precedente da 3ª Turma nesse mesmo sentido. O argumento é que a Lei de Recuperações Judiciais e Falências, a nº 11.101/2005, é aplicável apenas para empresários e sociedades empresárias, por isso, não seria possível interpretação extensiva da legislação (REsp 2026250).
A questão é controversa, segundo advogados. Para cooperativas médicas, como a Unimed, a 3ª Turma do STJ permitiu que a lei de insolvência seja aplicada (REsp 2183710). Essa exceção foi incluída na reforma da legislação falimentar, feita pela Lei nº 14.112, e validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento realizado em outubro do ano passado (ADI 7442).
Várias reestruturações podem ser afetadas pela decisão da 4ª Turma do STJ, dizem especialistas, como a do Jockey Club de São Paulo. Nesse caso, a sentença autorizou o procedimento por conta da “relevância econômico-social da atividade desenvolvida”. Mas uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) suspendeu o processo (nº 2317187-40.2025.8.26.0000).
Nesta semana, o Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) do Conselho Nacional do Justiça (CNJ), não proferiu enunciados sobre o assunto, segundo o advogado Pedro Teixeira, sócio do TPB advogados, que integra o grupo e participou das discussões em Brasília. Os enunciados costumam ser um norte para os magistrados decidirem sobre o tema, mas não há força vinculante. A ideia é que deixem o STJ pacificar a matéria.
Na sessão de julgamentos da 4ª Turma, nesta terça-feira, o ministro Marco Buzzi, que havia pedido vista na sessão anterior, acompanhou o voto do relator do caso, ministro Raúl Araújo. Na visão dele, permitir que associações como a Metodista possam pedir recuperação judicial pode causar efeitos concorrenciais nocivos, além de comprometer a segurança jurídica do instituto. Isso porque as entidades sem fins lucrativos têm regime tributário privilegiado.
“Entidades sem fins lucrativos, embora possam desenvolver atividade econômica, não se inserem nesse modelo, pois atuam sob regime tributário privilegiado com imunidades e isenções fiscais, coisa diferente das sociedades empresariais, o que as coloca em situação objetivamente e concretamente distante dos operadores econômicos para qual o sistema recuperacional foi estruturado e foi concebido”, disse ele, na sessão.
Buzzi também afirmou que não houve omissão ou lacuna legislativa que deixasse de fora essas entidades da lei falimentar. “Essa delimitação legal não constitui omissão alguma ou lacuna na lei, o legislador que quis fazer assim”, disse o ministro ao proferir seu voto. “Foi uma opção eloquente do legislador, reforçada pela manutenção dessa restrição mesmo após a reforma promovida pela Lei nº 14.122”, completou.
No caso da Metodista, a recuperação judicial já está na fase de pagamento dos credores e já passaram os dois anos de supervisão do Judiciário, segundo o advogado da associação, Luiz Roberto Ayoub, sócio do Galdino Advogados. Ela só não foi encerrada oficialmente à espera da decisão do STJ.
Ayoub afirma que discorda da decisão, mas respeita a visão dos ministros. “Como não concordo, vou recorrer e me utilizar de todos os meios processuais cabíveis”, diz (REsp 2008646).
A sentença havia sido favorável à Metodista, permitindo a reestruturação, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) reverteu a decisão. O recurso ao STJ foi feito pela entidade, defendendo que deveria haver interpretação extensiva da Lei de Recuperação Judicial e Falências. O parecer do Ministério Público foi favorável ao grupo.
O advogado Pedro Teixeira, do TPB Advogados, afirma que com a decisão da 4ª Turma há forte tendência jurisprudencial pela não legitimidade dos chamados “agentes econômicos especiais” pedirem recuperação judicial ou extrajudicial. Ele lembra que essa exceção foi concedida aos clubes de futebol e para as cooperativas médicas.
Na visão de Teixeira, a jurisprudência que começa a se consolidar no STJ não resolve o problema financeiro dessas entidades. “Atualmente, existem milhares de instituições, principalmente, de ensino e de saúde, organizadas como associações civis sem fins lucrativos ou fundações, que desempenham atividade econômica, geram milhares de empregos e cumprem com a sua função social, sem qualquer mecanismo de reestruturação de dívidas com objetivo de preservação das atividades”, diz.
Teixeira afirma que “essas entidades correm o risco de fechar as portas e criar consequências nefastas para toda a sociedade”. “Sendo assim, o Congresso Nacional precisa debater o tema urgentemente, considerando as peculiaridades de cada estrutura jurídica e o setor de atuação”, defende o especialista.
O Valor não conseguiu contato com a defesa do credor que venceu o recurso no STJ.
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