
Governo do Distrito Federal seria obrigado a realizar um aporte de recursos na hipótese de instituição ficar desenquadrada
A revelação trazida pela operação Compliance Zero, da Polícia Federal, de que o Banco de Brasília (BRB) comprou quase R$ 12,2 bilhões em carteiras do Master que podem ser parcialmente inexistentes tem potencial para afetar o balanço da instituição e, em última instância, exigir até mesmo algum tipo de aporte do governo do Distrito Federal.
O inquérito da PF, que conta com informações do Banco Central (BC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aponta que, após pedidos de informação do regulador, o BRB admitiu que encontrou alguns problemas em parte das carteiras compradas do Master, mas que fez a substituição dos créditos. Entretanto, os investigadores afirmam que essa troca foi feita por ativos que não estavam previstos nos termos do contrato e que causa estranheza o BRB não ter exigido a devolução imediata de recursos ao Master.
Em sua decisão, o juiz federal Ricardo Augusto Leite diz que “emergem indícios de participações consciente dos dirigentes do BRB no suposta esquema fraudulento engendrado pelos gestores do Banco Master, cuja atuação teria ocasionado prejuízos à higidez do Sistema Financeiro Nacional e, principalmente, à própria instituições por eles administrada”.
A operação da PF culminou com o afastamento do CEO do BRB, Paulo Henrique Costa, e do vice-presidente financeiro, Dario Oswaldo Garcia Junior. O BRB informou ontem que decidiu contratar uma auditoria externa especializada, “com o objetivo de apurar os fatos mencionados na referida operação”. O banco ainda reafirmou seu compromisso com as melhores práticas de governança, transparência e prestação de informações ao mercado, e que o conselho de administração “seguirá acompanhando de forma contínua os desdobramentos”.
Em setembro, a CVM abriu um processo sancionador contra o Distrito Federal – na qualidade de acionista controlador do BRB – e a chefe de gabinete do governo, Juliana Monici Souza Pinheiro, que é membro do conselho fiscal do banco. A fase de acusação foi finalizada no início deste mês e agora o processo está na fase de citação e envio de defesa. Ainda não há detalhes sobre o caso.
Com a abertura de um processo sancionador, o caso deve ir a julgamento na CVM, mas não há previsão de datas. No fluxo normal do processo, contudo, os acusados podem apresentar uma proposta de acordo para encerrar o caso mediante o pagamento de um valor. Esse tipo de decisão é deliberada por um comitê específico da autarquia, pela Procuradoria Federal Especializada na CVM e pelo colegiado do órgão regulador.
Para S&P, investigações em curso podem abalar reputação, finanças, captação e liquidez do BRB
A suspeita de fraude em parte relevante da carteira do BRB provocou estresse nos títulos emitidos pelo banco. Durante o dia, as taxas das letras de crédito imobiliário (LCI) do BRB, com vencimento em fevereiro de 2026, chegaram a ter ofertas a 140% do CDI no mercado secundário, na plataforma da XP. Por se tratar de um papel isento de Imposto de Renda para a pessoa física, a venda com deságio poderia trazer um retorno teórico equivalente a 179,5% do referencial.
As letras financeiras do banco, que não têm garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) saíam a 120% do CDI, um nível considerado “normal”, segundo o sócio de uma assessoria de investimentos.
Na plataforma do BTG Pactual, um profissional relatou que houve fluxo de venda maior que o normal dos papéis do BRB, mas sem muitos negócios a ponto de afetar a marcação dos preços. As ações do BRB têm liquidez muito baixa na B3 e tiveram pequena oscilação positiva desde terça-feira.
Os investidores têm receio de que o BRB precise de algum tipo de saneamento. Um gestor de recursos diz que, se a fraude de R$ 12,2 bilhões que a PF investiga realmente for confirmada e não for revertida, o BRB pode ter que recorrer a um aumento de capital, o que significaria um aporte dos seus acionistas, especialmente o governo do DF.
A agência S&P rebaixou o rating do BRB de “B” para “B-” e colocou a nova nota em revisão para possível rebaixamento. Segundo a agência, a ação reflete as preocupações com a gestão de riscos do BRB, particularmente em vista da investigação sobre suas aquisições de carteira.
“Atualmente, não está claro como a investigação em curso se desenrolará e como ela poderá afetar a reputação, as finanças, o financiamento e a liquidez do BRB. Acreditamos que existe um certo grau de incerteza sobre quais novas informações poderão surgir em relação à carteira de empréstimos adquirida pelo BRB, bem como quais implicações de segunda ordem poderão se materializar para o banco.”
Inicialmente, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), tinha dito que indicaria Celso Eloi de Souza Cavalhero como novo CEO do BRB, mas ontem mudou e falou que vai nomear Nelson Antônio de Souza. Em nota, o governo do DF afirmou que Souza tem caráter técnico, é um nome respeitado no setor financeiro e bancário e acumula mais de 45 anos de experiência.
Souza atuava como vice-presidente da Elo Cartões desde o ano passado. Além de comandar a Caixa no biênio 2018-2019, já havia sido presidente da Brasilcap Capitalização (2021-2024), do conselho de administração do próprio BRB (2020) e do Banco do Nordeste (BNB) entre 2014 e 2015.
Ontem, os diretores de fiscalização, Ailton de Aquino, e de organização do sistema financeiro e de resolução do BC, Renato Gomes, tiveram audiência com representantes do BRB. O encontro envolveu o presidente do conselho do BRB, Marcelo Talarico, o diretor jurídico, Jacques Mauricio Ferreira Veloso de Melo, e o conselheiro Luís Fernando de Lara Resende.
No lado do Master, a defesa do controlador Daniel Vorcaro pediu um habeas corpus para tirá-lo da prisão, classificando-a como ilegal. O advogado Sérgio Leonardo diz que a defesa do mérito será feita no momento adequado, mas alega que a suposta fraude nas carteiras não provocou prejuízos ao Master, nem ao BRB, nem a terceiros. “Ninguém foi lesado por essa suposta fraude. Tendo oportunidade nós vamos esclarecer tudo.”
Fontes apontam que o liquidante nomeado pelo BC, Eduardo Félix Bianchini, ao assumir o Master, encontrou uma situação periclitante. O banco estaria com o caixa praticamente zerado, sem condições de arcar com despesas básicas como aluguel, água, luz, salários etc, por muito tempo. Como o BC não pode fazer empréstimos para os bancos, nesse cenário seria possível que a liquidação extrajudicial fosse convertida em falência rapidamente.
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.