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Sobre este tal de superendividamento

por: Angelica Balthasar
em: Cobrança
fonte: Blog do Victor
25 de outubro de 2012 - 0:03 - atualizado às 1:26

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De um ano para cá, o problema do superendividamento da população é pauta de muitas publicações nacionais e internacionais. No ´front externo´, diários econômicos de renome especulam se não haveria uma bolha sendo alimentada na economia brasileira, e internamente as matérias sobre a recente onda de inadimplência e o arrefecimento do crescimento do crédito ampliam a preocupação sobre potenciais solavancos na trajetória do modelo atual. Mas afinal, seria o crescente endividamento uma ameaça ao equilíbrio do sistema?

O crescimento do crédito foi a grande descoberta do governo Lula, que canalizou sua expansão para fomentar o consumo. É de conhecimento geral que sua participação no PIB cresceu de pouco mais de 20% para 50% em menos de uma década. Desse volume, praticamente metade é crédito ao consumidor em suas diversas modalidades. Há cinco anos, ele representava 16% do PIB. A parcela que cabe ao crédito imobiliário, apesar de ser o produto que mais cresce, ainda representa 5% do total, valor inexpressivo quando comparado a outras economias, largamente alavancadas pelo financiamento de imóveis. Assim, as comparações da penetração de crédito na economia são distorcidas quando incluímos esse produto de prazos longos e taxas de juros mais baixas, ainda incipiente no Brasil.

Se o excluirmos, a participação do crédito ao consumo na economia gira em torno de 16% do PIB, valor similar ao registrado nos EUA nas mesmas condições. Com a diferença de que nos últimos anos, essa participação ganha relevância no Brasil e encontra-se relativamente estagnada nos EUA. Daí infere-se uma primeira conclusão, a ser validada, de que não há espaço para crescimento do crédito no Brasil no mesmo ritmo que o registrado em passado recente, já que estamos em patamares de endividamento similares aos dos Estados Unidos, sociedade amplamente conhecida por seu ímpeto consumista.

Quando comparamos o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas, nos deparamos com uma diferença relevante: no Brasil, 22% da renda média das famílias está comprometida, contra 16% no caso americano, onde a grande relevância do crédito imobiliário suaviza a carga mensal. A dívida do brasileiro é bem mais cara e de curto prazo, o que a torna mais ´pesada´ para carregar. Por outro lado, em caso de uma crise, nosso sistema também é saneado mais rapidamente, por conta dos prazos mais curtos.

Esse valor de 22% de comprometimento (que dependendo do critério atinge 26%) teve um ligeiro crescimento nos últimos anos, mas ainda é insuficiente para ser um gerador de crise. Em resumo, na última década o volume de crédito praticamente dobrou, sem que isso afetasse muito o nível de comprometimento das famílias brasileiras. Isso aconteceu por algumas razões principais: a taxa de juros ponderada tem caído, mesmo antes dos recentes movimentos de redução, uma vez que aumentou a participação dos produtos com spread mais baixo no total do crédito (consignado, financiamento de veículos e imobiliário), o prazo está se alongando, pela mesma razão exposta acima, uma vez que o consumidor vem usando proporcionalmente menos as linhas de curto prazo, e finalmente o baixíssimo índice de desemprego aliado à renda da população, que experimentou um aumento contínuo nos últimos anos, cujo incremento permitiu que as pessoas absorvessem dívidas novas nos seus orçamentos.

Com base nisso, é possível descrever a trajetória do crédito ao consumo em duas fases: a que passou até o presente momento, e a que está por vir. A fase que passou foi extremamente importante para alavancar o crescimento da economia na última década, uma vez que popularizou sua utilização, proporcionando inclusive aos segmentos de mais baixa renda acesso a itens de consumo que antes não caberiam em seu apertado orçamento. O limiar desse modelo deu-se na resposta do governo à crise financeira de 2008/2009, cujos desdobramentos não se intensificaram mais no país por conta dos estímulos ao crédito. Em seu tempo, funcionou.

Ocorre que na cartilha básica de qualquer financista está escrito que crescimento acelerado em crédito sempre cobra seu preço em inadimplência algum tempo depois de iniciado o processo de expansão. São raríssimos os casos em que crescimento rápido e inadimplência baixa funcionam como casal. Trata-se de um casamento com certeza de divórcio, por incompatibilidade de gênios. O momento de alta na inadimplência em 2012 tem muito a ver com isso. Algumas instituições cresceram mais rápido do que podiam e o custo de crédito cobrou seu preço, particularmente nos produtos de financiamento de automóveis, onde nitidamente houve exageros nas políticas praticadas pelo mercado, muitas vezes descabidas.

Além do custo do crescimento, natural nesse tipo de negócio, o momento atual de inadimplência também deflagrou nova discussão sobre o nível de endividamento da população. Apesar dos 22 ou 26% de comprometimento não serem um indicador alarmante, está próximo do limite da sanidade para que se tenha um sistema minimamente saudável. Costuma-se mencionar o teto de 30% como o máximo admissível para uma economia blindada contra crises de crédito, em um cenário onde desemprego não é um problema. Estamos a uma distância visível desse limite.

Todas as instituições financeiras, sem exceção, observam que sua base de clientes está mais endividada do que há alguns anos. Isso somado ao susto com o aumento da inadimplência fez com que o sistema se tornasse mais cauteloso, evidenciando um natural instinto de autopreservação. A velocidade do crescimento do crédito caiu.

E aqui começa a fase que ainda está por vir. Há uma grande pressão do governo para redução de spreads. Isso ocorre por que uma queda nas taxas liberaria espaço no ´comprometimento da renda´ da população, e assim proporcionaria que o crédito retomasse a robustez do período anterior. Apesar de ser uma ação tecnicamente correta, essa é apenas uma das variáveis importantes. O crédito consignado em folha e financiamento de automóveis foram os produtos que mais puxaram o crescimento nos últimos anos. Difícil crer que haja espaço para acelerar em ambos os casos. No caso do prazo das dívidas, a menos que haja um aumento extraordinário no crédito imobiliário, há pouco espaço para alterações substanciais. Além disso, há limitações de ´funding´ que são um obstáculo ao seu crescimento. Nas condições atuais, é improvável supor que ele atinja o mesmo nível de representatividade que o registrado em outros países. Isso impede maiores alívios no comprometimento da renda. Se a variável ´redução dos spreads´ conta a favor, a variável prazo é neutra.

Os dois outros elementos, renda e emprego, não brilham mais como outrora. Cedo ou tarde o crescimento da renda média da população, ainda visível em 2012, será impactado pelo ´Pibinho´ dos tempos recentes, fator que também pode começar a pressionar o índice de desemprego, principalmente na indústria. Ou seja, nesse caso, as variáveis renda e emprego na melhor das hipóteses são neutras, com viés de baixa.

Portanto, ao contrário de 2009, não encontramos mais no cenário macroeconômico o mesmo ´encaixe´ para os estímulos ao crédito. Isso obviamente não quer dizer que o mesmo não crescerá. Será de forma mais gradual que anteriormente. A expectativa é de que o volume de crédito ainda cresça entre 10 e 15% ao ano por um tempo, e isso fará com que os atuais 50% de representatividade sobre o PIB aumentem. Mas não surpreenderia que em um futuro não muito distante, o ritmo de crescimento passe a ser inferior a 10%. Ainda assim mais forte que o crescimento da economia, mas sem o mesmo vigor do período mais recente.

Tanto os consumidores quanto a indústria sabem se preservar. Em geral, os primeiros despertam para o fato de que não podem suportar mais dívidas. Cerca de 90% das pessoas pagam suas contas em dia. Os caloteiros são exceção, e não a regra. As instituições financeiras tem ferramentas para identificar os clientes superendividados dentro de sua própria base. Para eles, não é saudável conceder mais crédito, e sim refinanciar a dívida. Por isso, por mais que o governo deseje que o crédito ao consumo continue sendo o remédio para todas as dores da economia, a realidade não permitirá que isso se repita. O tratamento deve ser outro. Não temos um problema de superendividamento, mas os indicadores atuais do sistema não permitem um relaxamento no controle da ´qualidade do crescimento´. Nessa fase que ´está por vir´, qualidade importa muito mais que quantidade. Quem não respeitar esse princípio, pagará uma conta salgada logo adiante.

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