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O auge da carreira é mesmo solitário?

por: Afonso Bazolli
em: Gestão
fonte: Exame
05 de dezembro de 2017 - 18:00

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Professores da Kellog School realizaram uma pesquisa para entender como as hierarquias afetam a solidão das pessoas.

O estereótipo é familiar: o executivo sênior isolado, sitiado, cercado por subalternos, ainda assim chorando por dentro, emocionalmente abandonado como se fosse um órfão.

Sim, como todos sabem, o auge é solitário. Ou não?

Na verdade, pessoas em posições de poder tendem a se sentir menos solitárias, e não o contrário, de acordo com pesquisa realizada pelo professor associado Adam Waytz e o professor titular Jon Maner, ambos do departamento de gestão e organizações na Kellogg School.

O oposto também é verdade. “Mais poder leva a uma solidão menor, e menos poder leva a mais solidão”, diz Waytz.

Em outras palavras, não apenas não é solitário no topo, mas é solitário na base. Assim, troque o executivo sênior acima por um funcionário humilde da expedição, retire os subalternos do meio da hierarquia e você terá um cenário muito mais próximo da realidade.

Como as hierarquias afetam a solidão

Os professores realizaram suas pesquisas separadamente, mas os resultados apresentam claramente uma sobreposição de temas.

A pesquisa de Waytz, em colaboração com Eileen Y. Chou, da Universidade de Virginia, Joe C. Magee, da Universidade de Nova York, e Adam D. Galinsky, da Universidade de Columbia, examina o fato de como estar posicionado no topo de uma hierarquia social afeta a solidão.

Em contrapartida, o trabalho de Maner, redigido com Charleen R. Case, doutorando da Kellogg School, e Kyle E. Conlon, da Stephen F. Austin State University, destaca as maneiras pelas quais uma posição inferior em hierarquias sociais afeta a solidão.

“As duas linhas de pesquisa são um espelho uma da outra”, diz Maner.

Waytz e seus coautores realizaram oito estudos para testar a hipótese de que os níveis elevados de poder diminuem a solidão. No primeiro, 309 participantes recrutados on-line preencheram dois questionários, classificando o quanto concordavam com afirmações como “Eu consigo convencer outras pessoas a fazer o que eu quero” e “Sinto falta de companhia”.

Sem dúvida, os entrevistados que relataram ter mais poder alegaram serem os menos solitários.

Outro estudo pediu a 202 participantes para preencher uma pesquisa on-line que, aleatoriamente, designou a cada um deles um papel de chefe ou de subordinado. Em seguida, tiveram que preencher um questionário sobre solidão.

Em seguida, cada “chefe” atribuiu tarefas como um jogo de lógica ou um exercício de revisão de texto a um participante no papel de subordinado.

Depois, foi perguntado a todos os participantes: “Pensando novamente no papel que lhe foi atribuído neste estudo, quanto poder você acha que tinha?”

Os chefes relataram sentimentos de poder muito maiores e níveis de solidão muito menores do que os dos subordinados.

Em outro estudo, 607 participantes foram divididos em três grupos: alto poder, baixo poder e grupo de referência. Em seguida, em um “jogo do ditador”, os participantes com alto poder tinham que dividir $10 da forma que preferissem entre si e os participantes com baixo poder. O grupo de referência não recebeu nenhuma informação sobre o jogo e não trocou dinheiro.

Em seguida, todos os participantes indicaram se concordavam com a afirmação “Eu acho que tenho poder” ou “Eu acho que não tenho poder.” Em seguida, responderam a questionários que avaliavam sua necessidade de fazer parte de algo, bem como sua solidão.

Mais uma vez, os participantes do grupo de alto nível de poder relataram que se sentiam menos solitários e menos propensos a sentir uma necessidade de pertencer do que os participantes do grupo de baixo nível de poder ou do grupo de referência.

E os participantes do grupo de baixo nível de poder relataram que sentiam mais solidão e maior necessidade de fazer parte de algo do que os participantes dos outros dois grupos.

Eliminando a necessidade de fazer parte de algo

Estes resultados demonstram uma necessidade humana básica.

“Os seres humanos têm uma necessidade fundamental de fazer parte de grupos e, quando as pessoas atingem o poder, isso satisfaz essa necessidade”, explica Waytz.

“O poder dá às pessoas a sensação de ‘Ok, se tenho poder, tenho acesso a recursos que outras pessoas desejam. Eu tenho a capacidade de controlar os resultados de outras pessoas’. Em vez de fazer com que você deseje ter maior senso de fazer parte de algo, isto faz você sentir ‘Uau, eu tenho tudo o que preciso para formar um grupo, para formar uma aliança, para trazer as pessoas até mim. Assim, é aliviada aquela necessidade de fazer parte de algo que existe no âmago de cada um para a existência humana”.

Curiosamente, esse poder pode ser real ou ilusório. “Às vezes, o poder lhe dá acesso a recursos, e às vezes só dá a sensação de que você tem este acesso”, acrescenta Waytz.

Em outras palavras, você não precisa ser mesmo um executivo sênior para se sentir menos solitário. Você só precisa se sentir tão poderoso quanto.

Poder e o desejo de fazer conexões

A pesquisa de Maner inclui dois estudos. No primeiro, 145 participantes universitários foram classificados aleatoriamente com status de alto nível de poder, baixo nível de poder ou grupo de controle.

Os participantes de alto nível de poder escreveram uma redação sobre um momento em que tinham poder sobre os outros, enquanto os participantes de baixo nível de poder escreveram uma redação sobre um momento em que os outros tinham poder sobre eles. Os participantes do grupo de controle escreveram uma redação sobre um tema diferente.

Em seguida, todos os participantes foram convidados a avaliar seu nível de interesse em um serviço fictício no campus, o qual, segundo foram informados, facilitaria as amizades estudantis.

“A lógica era que, se as pessoas estivessem se sentindo temporariamente impotentes e, portanto, com forte necessidade de conexão social, eles deveriam estar especialmente interessados em usar o serviço estudantil para se conectar com outros alunos e colegas”, diz Maner. “Foi isso exatamente o que aconteceu!”

O segundo estudo atribuiu aleatoriamente a 148 estudantes universitários um papel poderoso, um papel impotente ou um papel neutro, e depois fez com que eles realizassem uma tarefa em grupo para montar um quebra-cabeças geométrico.

Os participantes com o papel poderoso, chamados de gestores, foram informados de que iriam conduzir a tarefa e avaliar seus subordinados.

Os participantes com papel impotente, conhecidos como construtores, foram informados de que iriam completar o quebra-cabeças de acordo com as instruções dos seus gestores e que depois esses iriam avaliá-los.

Os participantes com o papel neutro simplesmente foram informados de que iriam trabalhar com os demais para completar o quebra-cabeças de forma igualitária.

Em seguida, cada participante foi instruído a trazer uma cadeira da sala de espera e ajustá-la para seu parceiro. Esta é uma medida sutil do desejo por filiação social que tem sido utilizada em muitos outros estudos.

“O desejo de proximidade física está fortemente correlacionado com o desejo de proximidade emocional, portanto medimos o quão próximos os participantes colocaram suas próprias cadeiras ao lado dos seus parceiros”, diz Maner.

E de fato, aqueles no papel de construtores colocaram as cadeiras dos seus parceiros mais próximas das suas próprias cadeiras, segundo a descoberta de Maner. “Nossa interpretação foi que isso refletia um desejo de filiação ou possível amizade com o parceiro”.

Solitário no topo. Para sempre?

Embora seus resultados tenha sido robustos, Maner e Waytz têm algumas ressalvas a tratar. Em primeiro lugar, Maner observa que as conclusões do seu artigo podem ter sido afetadas pelo fato de que utilizou alunos de graduação como participantes do estudo.

“Considerando o primeiro estudo, no qual pedimos às pessoas para escrever sobre uma época em que elas se sentiram poderosas”, diz ele. “São estudantes universitários, e muitos deles realmente não tiveram grandes oportunidades de poder sobre outras pessoas, mas tiveram muitas oportunidades de se sentirem impotentes. Por exemplo, há um diferencial de poder entre eles e seus instrutores. Assim, acredito que foi mais fácil para nós levar as pessoas a se sentirem impotentes do que fazê-las se sentir poderosas”.

Em segundo lugar, “há muitas maneiras de pensar em relação ao topo ou a base de hierarquias”, aponta Maner. Ou seja, cada um de nós se move por várias esferas diferentes, cada uma com sua própria hierarquia possível—o local de trabalho, a vida familiar e o círculo social de uma pessoa, para começar.

É possível ocupar um lugar importante em uma dessas hierarquias e outra posição irrelevante na outra. Como essa variância de poder poderia afetar os níveis de solidão de uma pessoa?

“Acredito que vai depender de qual papel social é mais saliente na mente da pessoa no momento”, diz Maner. Mais pesquisas são necessárias para descobrir isso.

Assim, também “nossos estudos limitaram-se a olhar muito para os tipos de sentimentos do momento”, diz Maner. Pode ser o caso de que o poder e a solidão se cruzam de formas diferentes ao longo do tempo.

Waytz concorda. “Pode ser que os sentimentos sustentados de estar no poder, como ser o CEO de uma organização ou o presidente de um país, acabem sendo muito solitários”, diz ele.

“Pode-se imaginar que, ao longo do tempo, essa experiência de ter que tomar muitas decisões difíceis, não populares, que irão constantemente perturbar pelo menos uma parte do seu eleitorado, poderia começar a fazer com que você se sinta isolado”.

Assim, ainda pode haver alguma verdade em dizer que estar no auge é solitário.

“Quando se está no poder, fica muito difícil confiar nas pessoas, porque começa a questionar seus motivos, por que elas estão vindo até você para pedir coisas ou até mesmo sendo bondosas com você”, diz Waytz. Em outras palavras, afinal, uma CEO pode estar chorando por dentro, pelo menos se estiver no cargo há algum tempo.

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