O espanhol Diego del Alcázar Benjumea lidera o IE Business School, escola número 1 em MBAs online no mundo e falou à EXAME sobre tecnologia, educação e empreendedorismo
O espanhol Diego del Alcázar Benjumea está numa posição privilegiada para analisar os avanços da inteligência artificial – sobretudo nos impactos da tecnologia para a educação. Ele é CEO do IE Business School, instituição fundada há 50 anos em Madri como uma escola de negócios e atualmente uma das principais universidades da Espanha.
Fundado por seu pai, Diego del Alcázar Silvela, e atualmente com mais de 6.000 alunos, o IE é hoje uma referência em pós-graduação na área de administração de empresas. Na lista do periódico inglês Financial Times, a instituição figura como a melhor do mundo em MBAs online. Na opção presencial, a escola está em 22º entre os 100 cursos de melhor reputação.
A notoriedade fez a escola virar ponto de encontro de quem inova. Em junho, o americano Sam Altman, um dos fundadores da OpenAI, empresa de tecnologia por trás do ChatGPT, deu palestra num dos auditórios da escola localizado numa moderna torre de 25 andares ao norte de Madri.
De tudo que leu, e ouviu de quem está à frente da tecnologia, o espanhol tem uma opinião otimista sobre a inteligência artificial. Para ele, as pessoas ainda estão um pouco em choque com o avanço da inteligência artificial. “A questão é que a inteligência artificial não é uma pessoa”, diz ele.
Faltaria capacidade cognitiva para, de fato, ser como uma pessoa. “Por isso, creio que ao longo do tempo a tecnologia vai acabar se convertendo no que ela realmente é: uma máquina que está aí para nos servir e nos garantir mais produtividade”, diz.
Na entrevista a seguir, del Alcázar deu a visão dele sobre o futuro da educação num mundo com conhecimento abundante e acessível – e permeado por tecnologia. Além disso, comentou sobre o festival de inovação e empreendedorismo South Summit, criado pela mãe dele, a empreendedora Maria Benjumea, há 11 anos.
Atualmente, o festival reúne mais de 20.000 empreendedores e representantes de fundos de investimentos na edição de Madri. Além disso, nos dois últimos anos, agregou um número semelhante de participantes na edição brasileira, sediada em Porto Alegre.
Há muita crítica em relação aos MBAs ao redor do mundo. Por um lado, há uma proliferação de cursos livres online. De outro, há pouca visibilidade de egressos de escolas renomadas montando empresas de tecnologia capazes de virar unicórnios. Há algo errado?
Gosto de um ditado: “o saber não ocupa lugar”. É muito importante essa questão por algumas razões, sejam filosóficas ou práticas. O IE, Harvard e outras instituições de negócios formamos empresários e empreendedores. Mas isso não impede a existência de cursos livres e online com conteúdos que anteriormente não circulavam ao redor do mundo. Também apostamos neles. Temos cursos online gratuitos para chegar a um público sem condição de estar nos nossos cursos convencionais. A palavra-chave aqui é experiência. Nós como instituição acadêmica propomos uma experiência completa de aprendizado. Na nossa sede em Madri temos estudantes de 140 países. Nas classes é difícil encontrar mais de 10% dos alunos de uma só nacionalidade. Poder circular por uma cidade cosmopolita como Madri não tem preço. Para mim não tem tanto a ver com a qualidade acadêmica, mas sim com a chance de poder manter encontros, de oferecer uma experiência de vida para os alunos. Isso, um curso livre online não tem como oferecer. Nós aqui temos cursos livres online para os estudantes aprenderem algo concreto. Nas classes, promovemos o debate desses mesmos conhecimentos. É sobre falar de humanidades. Nas classes, não basta falar de tecnologia, inovação, empreendedorismo e outros assuntos. Fundamental é ensinar a pensar criticamente nos avanços das tecnologias.
E o que pensar de inteligência artificial (IA)? Como ela muda a educação?
Recentemente, Sam Altman, um dos fundadores da OpenAI, esteve no nosso campus em Madri. Foi um prazer porque inteligência artificial é um tema pesquisado por nós há algum tempo. A IA está aqui para melhorar a experiência de educação. Só que precisamos entender como tornar as consequências dela positivas e não negativas. Por aqui, estamos pedindo para os alunos fazerem uma análise crítica das respostas formuladas pelo ChatGPT, por exemplo. Não acredito numa sociedade em que a inteligência artificial vai nos governar. Por quê? Se você pensar no processo de aprendizagem que eu e você tivemos, por trás dela teve um processo de quebrar a cabeça para escrever, estruturar ideias. Isso não fez apenas com que a gente tenha conseguido escrever, mas sim que a gente tenha conseguido aprender a pensar também. A estruturar as ideias. A leitura profunda também permite isso. Agora, ao perguntar ao ChatGPT sobre um determinado assunto, o que você terá é um resumo daquele assunto. Não é a mesma coisa. Mergulhar sobre um determinado assunto te permite criar memória sobre ele. E isso é fundamental para uma boa experiência de aprendizado. Nossa responsabilidade é conseguir usar a tecnologia de uma boa maneira para criar esse tipo de experiência.
Há quem diga que a inteligência artificial vai cortar empregos, sobretudo de profissionais em cargos de gestão, com MBAs no currículo. Qual o impacto dessa ameaça sobre a educação executiva?
Certamente esse é um impacto que teremos que pensar com profundidade. Sam Altman me comentou, quando estivemos juntos em Madri, que a inteligência artificial poderia permitir a uma empresa de 1 bilhão de dólares ser gerenciada por uma só pessoa. Por isso, precisamos sim entender o impacto da tecnologia sobre o emprego. Há quem diga que, se essa situação se concretizar, a carga de impostos não poderá mais ser ao redor de 20%. Se uma empresa não distribui riqueza através de empregos ela deveria pagar como 70% de impostos. Esse é um dos temas que os reguladores precisam se debruçar sobre neste momento, entendendo que não podemos proibir a tecnologia de existir. É preciso desenvolvê-la de uma maneira saudável, já tentando entender como ela irá mudar a sociedade.
Há, então, motivo para ser otimista?
O futuro costuma nos dar medo. As pessoas ainda estão um pouco em choque com o avanço da inteligência artificial. A questão é que a inteligência artificial não é uma pessoa. Não tem capacidade cognitiva para se conectar com os sentimentos e frustrações e com muitas outras coisas que fazem parte da essência de uma pessoa. Por isso, creio que ao longo do tempo a tecnologia vai acabar se convertendo no que ela realmente é: uma máquina que está aí para nos servir e nos garantir mais produtividade.
O IE é um dos principais apoiadores do South Summit. Por que um festival de inovação faz sentido para uma instituição de ensino?
O South Summit foi lançado há 11 anos no pior momento da crise econômica da Espanha. E ele ajudou a mudar a cultura de um país. A partir dele, começamos a atrair fundos estrangeiros que aproveitaram o evento para conhecer startups espanholas. Muita gente que estava sem emprego percebeu isso como uma oportunidade para empreender que hoje faturam milhões de euros. Quem funda o festival é Maria Benjumea, minha mãe, mas como uma atividade completamente independente do IE. Ao mesmo tempo, é verdade que, como um dos valores fundamentais do IE é o empreendedorismo, apoiamos a iniciativa desde o primeiro momento. Cerca de 30% dos nossos estudantes são empreendedores, um dos mais altos do mundo. Já fazemos eventos menores para apresentar negócios de nossos alunos a fundos de investimento e outros atores do ecossistema. Só que nossos eventos são pequenos e o South Summit proporciona uma escala muito grande. A edição mais recente realizada no Brasil, por exemplo, reuniu 25.000 pessoas.
O que difere o evento do Brasil da edição de Madri?
Estive na edição do Brasil e me impressionei com o fato de as autoridades do Rio Grande do Sul, e alguns dos principais empresários brasileiros, estarem 100% comprometidos com a realização do evento. Muitos ficaram durante os três dias do evento. Por isso, o Brasil é um foco central das próximas edições do South Summit. Em termos de estrutura, o evento de Porto Alegre é muito parecido com o que temos em Madri. O que pode estar faltando ainda, e é algo que demoramos bastante para conseguir na edição de Madri, é internacionalizar o evento. Para gerar um hype, é preciso ter gente de várias partes do mundo interagindo. Sendo assim, creio que os principais passos já foram dados. Daqui para frente, entendo eu, será um crescimento quase como de inércia.
O IE Business School foi fundado há 50 anos e hoje está no topo dos rankings educacionais. O que explica esse resultado?
A receita não é mágica. É de muito tempo, de ter uma visão muito clara desde o princípio. Quando meu pai fundou a escola de negócios, a Espanha estava saindo do regime franquista. Ele vislumbrava uma Espanha aberta ao mundo e liberal. E, naquela ocasião, as instituições educacionais na Espanha pertenciam ao Estado ou a instituições religiosas. Ele tinha uma visão diferente, muito mais liberal e aberta ao mundo sobre como deveriam ser as instituições acadêmicas. Essa visão de uma instituição educacional, junto a um espírito empreendedor, afinal, ele era um empresário que pensava em ter impacto financeiro positivo com uma instituição acadêmica. Esse espírito empreendedor lhe permitiu tomar decisões muito rápidas. Nos anos 80, fomos uma das primeiras instituições acadêmicas no mundo a ter, em seu MBA, uma cadeira específica sobre temas ligados ao empreendedorismo. Ao final dos anos 90, passamos a investir pesado num formato de educação ‘blended’, com componente online junto ao presencial. Naquela ocasião, já havia uma plataforma para fazer esse tipo de educação blended, mas era algo muito complicado de operacionalizar. Além disso, tinha algo muito difícil de mudar que era a mentalidade de quem está ensinando.
Como isso foi possível?
Desde o início tivemos que investir na formação de docentes para uma didática para além do face a face da sala de aula, e também online. Em 2007, viramos uma universidade de maneira integral, com cinco escolas diferentes, foi também algo difícil porque tivemos que exigir bastante dos candidatos que entraram na nossa escola para não prejudicar a marca. Não é algo trivial para uma escola de negócios virar uma universidade. Creio que inclusive fizemos um movimento contrário ao do mercado. Aproveitamos algumas facilidades regulatórias da Europa na ocasião e, também, entendemos que nosso impacto deveria ir além do mundo dos negócios. Num mundo globalizado, a diversidade não deveria ser só geográfica, mas também a de um ponto de vista de diferenças intelectuais. Era preciso ter conhecimentos interdisciplinares. Foi um projeto desafiador, mas hoje as notas da universidade já são mais elevadas do que as da escola de negócios, por exemplo. Estamos muito diversificados. E agora temos novos projetos, como o de um campus vertical em Castellana (bairro nobre de Madri), de 50.000 metros quadrados. Não é uma torre de escritórios, mas sim de espaços abertos. É o terceiro maior campus vertical do mundo. Foram todas decisões muito empreendedoras da faculdade e que têm relação com valores importantes que repassamos aos nossos estudantes. Damos muito valor à educação empreendedora: é preciso ir a campo, conversar com pessoas, pensar em projetos e conectar tudo isso ao conhecimento. Tem que saber usar tecnologia também. A tecnologia está aqui para humanizar a educação, o que é o contrário do que muita gente pensa. Com ela é possível chegar a mais gente.
CADASTRE-SE no Blog Televendas & Cobrança e receba semanalmente por e-mail nosso Newsletter com os principais artigos, vagas, notícias do mercado, além de concorrer a prêmios mensais.