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Crédito em pele de cordeiro

por: Afonso Bazolli
em: Crédito
fonte: Valor Econômico
02 de junho de 2015 - 18:04

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No filme Gremlins, de 1984, um pai de família compra para seu filho um exótico, mas aparentemente inofensivo, animal com jeito de pelúcia, um Gizmo. As únicas recomendações, segundo o vendedor, eram, sob hipótese nenhuma, alimentá-­lo após a meia ­noite e molhá-­lo. A quebra das regras trouxe consequências catastróficas. A água fez a criatura se multiplicar sem controle. E a comida fora de horário transformou o inocente bichinho em um pequeno monstro, o Gremlin. As características do caótico personagem de ficção guardam semelhanças com um grande risco que as famílias enfrentam neste ano: as dívidas.

Segundo especialistas, ainda que comecem pequenos e, aparentemente, pouco perigosos, empréstimos usados para cobrir rombos ou para consumo podem vir a sofrer o “efeito Gremlin” diante de um cenário de juros altos e ainda subindo, associado à sombra do crescimento do desemprego e da inflação em patamar elevado. Ou seja, o pior ainda não passou.

Os juros em elevação funcionam para as dívidas como a água para os Gremlins, ou seja, encarecem créditos pós­fixados, como as linhas de cartão de crédito e cheque especial, podendo levar o consumidor a cair na armadilha de contrair mais financiamento para cobrir o rombo. “É comum a pessoa estar no rotativo do cartão, com o cheque especial tomado, e contratar novo empréstimo para tentar cobrir os buracos financeiros. Essa pessoa começa a abrir várias frentes de dívida e aí chega no limite de não conseguir mais crédito e o salário estar completamente deteriorado pelos compromissos financeiros”, afirma o coordenador do Programa de Atendimento ao Superendividado do Procon­ SP, Diógenes Donizete.

Conforme a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), do momento em que a Selic chegou em seu patamar mais baixo, de 7,25% ao ano, em outubro de 2012, até abril deste ano, os juros do cartão de crédito e do cheque especial explodiram. No caso da primeira linha, as taxas anuais subiram 102 pontos percentuais e meio, o que representa um crescimento de 53% no custo do empréstimo.

A situação é semelhante no caso do cheque especial, que teve um salto de 60 pontos percentuais na taxa anual. Isso significa um encarecimento de 41,5% em relação há três anos, segundo cálculos da Anefac.

Apesar do já forte aumento de custos de dívidas caras, esse movimento ainda não chegou ao fim. Isso porque o ciclo de aperto monetário do Banco Central ainda não acabou. Conforme o boletim Focus, do BC, que reúne as projeções das principais instituições financeiras, a taxa básica Selic, atualmente em 13,25% ao ano, deve terminar 2015 no patamar de 13,75%. Mas no grupo dos Top 5, das cinco casas que mais acertam os prognósticos, as estimativas máximas já alcançam 14,25%. “Vai piorar para o resto do ano. A perspectiva é de que a Selic aumente e a inadimplência cresça. Então o quadro não é de melhora, mas, ao contrário, de piora”, afirma o professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), Keyler Carvalho Rocha.

O impacto desse encarecimento tem se tornado cada vez mais difícil de ser absorvido pelas famílias nos últimos anos, como mostra o indicador do BC relativo ao rendimento médio efetivo das pessoas ocupadas. Segundo a instituição, enquanto os custos com cartão e cheque especial subiram 53% e 41%, a renda ficou estagnada em relação há três anos. Em março deste ano, o valor médio se situou em R$ 1.967,42 ante os R$ 1.965,92, em outubro de 2012.

“Nós nunca tivemos um conjunto de fatores tão negativos ao mesmo tempo”, afirma o diretor ­executivo da Anefac, Miguel de Oliveira. “As famílias têm sido afetadas por inflação elevada há algum tempo, alta de juros e queda na atividade econômica, com uma recessão esperada para o ano. Esse conjunto acaba trazendo outro grave problema adicional que é o crescimento do desemprego”, considera.

Dados do Programa de Administração de Varejo, da FIA (Provar/FIA), e do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) apontam para uma rápida contração na folga dos orçamentos familiares. Segundo pesquisa das instituições, a margem mensal para despesas extras caiu de 10,8%, no último trimestre de 2014, para 9,2% no primeiro trimestre deste ano e deve despencar para 6,1% no segundo período de 2015. “No cenário atual, aumentaram as chances de as pessoas ficarem inadimplentes. Além disso, a elevação do risco de crédito gera um ciclo vicioso porque os bancos aumentam as taxas para compensar esse risco maior de inadimplência”, explica o presidente do conselho do Provar/FIA e do Ibevar, Claudio Felisoni.

A maior dificuldade em absorver custos crescentes devido à inflação alta e ao encarecimento do crédito, aliados a uma deterioração no mercado de trabalho, podem funcionar como “alimento após a meia­noite” para as dívidas, que, como os Gremlins, transformam sua natureza e assumem um caráter destrutivo. O cenário tóxico para os orçamentos familiares tem levado ao crescimento da inadimplência.

Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o Brasil tem 55,3 milhões de pessoas inscritas em cadastros de proteção ao crédito. O número representa 37,9% da população entre 18 e 95 anos. “A partir de março deste ano houve um repique da inadimplência, pois a piora dos indicadores foi muita rápida e principalmente a piora da confiança”, afirma a economista­chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. “O consumidor brasileiro vive equilibrando pratos e com o cobertor curto cresce a inadimplência”, afirma.

Conforme o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o ritmo de crescimento de negativações está acima do padrão histórico e “deve continuar assim, pelo menos, nos próximos seis meses”. De acordo com Rabi, nos primeiros quatro meses do ano o volume de inclusão de devedores nos cadastros de proteção ao crédito aumentou 15% em relação ao mesmo período do ano passado. Esse número está seis pontos percentuais acima da média histórica (9%).

“A inadimplência sofre influência de ações externas, como taxa de juros e de emprego. Se esses valores saírem de controle, podemos ter uma surpresa ainda mais negativa em relação à inadimplência”, avalia o presidente da Boa Vista, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), Dorival Dourado. A melhora nos índices de atraso nos pagamentos deve vir apenas em 2016, na análise de Marcela, do SPC. “A gente ainda está vendo a inadimplência que vem de uma época em que se tomou muito credito e, quanto mais a crise passar, mais a restrição de crédito vai ajudar a segurar os atrasos.”

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