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16 de fevereiro de 2014 - 14:05

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Por: Taís Laporta

Manobra permite cobrar juros de até 845% ano com o desconto automático dos pagamentos; aposentados, servidores e pessoas com nome sujo são os alvos

Financeiras que emprestam dinheiro para quem tem nome sujo encontraram uma forma de conceder crédito de baixo risco, a juros exorbitantes. Mesmo sem fazer consignado, utilizam a renda do cliente como garantia de pagamento, cobrando taxas de até 845% ao ano.

O artifício consiste em debitar a dívida de uma conta corrente onde é depositado o pagamento do INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social) ou o salário do servidor público. Se o cliente negar-se a vincular o benefício à conta, não consegue o crédito pessoal.

Por regra, não há atrasos ou falhas no pagamento a aposentados, pensionistas e funcionários públicos – o que reduz drasticamente o risco de faltar dinheiro para debitar a dívida. O benefício cai na conta e, no mesmo dia, vai para o caixa da financeira.

No crédito consignado, o desconto é feito direto na folha de pagamento, com o limite de 30% da renda, estabelecido por lei. Mas neste tipo de empréstimo, o comprometimento da renda costuma ser bem maior.

“Você pode usar até 53% do benefício, não só os 30% do consignado. Dependendo, a gente consegue liberar até mais pra você”, explicou uma atendente da Crefisa, em uma loja do centro de São Paulo.

Ali perto, sob o sol do calçadão das ruas XV de Novembro e São Bento, simpáticas moças de boné distribuem panfletos com promessas de crédito fácil. “Dinheiro em até 24 horas” e “Não consultamos Serasa nem SPC” são frases ouvidas no vai e vem dos pedestres.

É só retribuir um olhar para uma das moças conduzir o potencial cliente a um recinto com ar condicionado, água fresca e café. Ali dentro, atendentes explicam as vantagens e os descontos de até 70% se pagar antes, e se prontificam a responder perguntas.

Mas quando a dúvida é sobre os juros, não há resposta imediata. “Você tem de fornecer o número do seu benefício para avaliarmos caso a caso”, disse uma atendente da Agiplan, que também aceita negativados.

No crédito pessoal não consignado, a Crefisa cobrava juros médios de 20,05% ao mês (ou 796,21% por ano) e a Agiplian, de 20,59% ao mês (845,73% ao ano), em janeiro deste ano, segundo o Banco Central. O limite do consignado é de 2,14% ao mês.

Várias financeiras ficam de portas abertas, lado a lado, em locais de grande movimento. Por ali passam pessoas de todas as condições financeiras e idades. O principal alvo desta tática, contudo, é quem mais sofre com a inadimplência: o aposentado.

Como mostrou o iG, o crédito consignado para beneficiários do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) é a modalidade que mais resiste à queda de calotes, que foi generalizada no ano passado. Se o aposentado pode comprometer 30% da renda no consignado, além de 53% no crédito pessoal, tem pelo menos 83% dos ganhos consumidos por dívidas.

Uma dívida que aumentou três vezes

A servidora pública Marlene Rocha (nome fictício), de 33 anos, comprometeu 47% do salário de R$ 1,6 mil com um empréstimo na Crefisa. Com o marido desempregado, ela precisava de R$ 2 mil para pagar contas de telefone e cartão de crédito.

Marlene pagou as duas primeiras parcelas do empréstimo feito pela Crefisa a uma taxa combinada de 14,5% ao mês. Quando quis quitar a dívida para conseguir desconto, descobriu que ela só crescia: de R$ 2 mil, foi para R$ 6 mil – em apenas três meses.

A servidora pública fez uma denúncia no Banco Central e, só depois, conseguiu fazer um acordo para encerrar a dívida em uma parcela de R$ 1,6 mil. “Mas, ao pagar, descobri que o valor se referia a apenas um dos contratos, e junto havia uma autorização de débito irrevogável em minha conta. Não assinei”, conta.

Segundo Marlene, os descontos são feitos a qualquer momento, sem aviso prévio. “Minha divida é de R$ 750 por mês. Se entrarem R$ 450 na conta, eles debitam no mesmo dia”.

Procurada pelo iG, a Crefisa informou que não se pronuncia sobre a prática de conceder crédito pessoal vinculando a conta do cliente a um benefício.

A coordenadora geral de pagamento de benefícios do INSS, Célia Medeiros, informou ao iG que não compete à Previdência Social fiscalizar as instituições financeiras.

Crédito quase livre de risco

Apesar de não descontar da folha de pagamento – como faz o consignado –, vincular a dívida a um benefício é uma prática quase livre de risco, na opinião do advogado especializado em direito bancário e do consumidor, Alexandre Berthe. “Não é uma prática ilegal, mas considero imoral”, afirma o especialista.

Para o advogado e sócio do Bornholdt Advogados, Juliano Scarpetta, não há nada de errado em cobrar taxas acima da média do mercado para quem está negativado. “Mas cobrar 20% ao mês é abuso. É passível de revisão na Justiça, principalmente se o consumidor provar os juros na contratação”, diz.

Os juros combinados no momento do empréstimo nem sempre mostram o custo efetivo total (CET), que inclui taxas adicionais, como abertura de crédito ou emissão de boleto. As instituições são obrigadas a mostrar o CET antes da assinatura do contrato, mas nem sempre o consumidor fica atento este detalhe que pode até dobrar o custo da operação.

Scarpetta considera que as instituições financeiras não podem exigir que uma pessoa vincule um benefício a sua conta bancária. Toda forma de coação ou abuso passam a ser ilegais, segundo o advogado.

O cliente que se sentir lesado por este motivo consegue comprovar que a quantia debitada tem vínculo com a renda, e pode pedir na justiça o bloqueio dos descontos, observa Berthe.

“Não importa o que está no contrato. Qualquer cláusula abusiva é discutível na justiça. Se a pessoa recebe R$ 1 mil e o desconto é de R$ 530, o juiz vê de cara que é um abuso”, diz. O judiciário costuma amparar o consumidor em casos de apropriação indevida do salário.

Este mês, a 4ª Vara Cível de Brasília condenou o Banco do Brasil a indenizar uma cliente em R$ 6 mil por ter se apropriado de seu salário. Ela devia no cheque especial, mas por tratar-se de conta salário, o juiz entendeu que bloquear a renda para pagamento de dívida gera danos morais. Já há jurisprudência sobre o assunto.

No Senado Federal, o projeto de lei 283/2012, que altera o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pretende proibir a concessão de crédito para negativados e punir instituições financeiras que fazem empréstimos de forma indiscriminada, sem avaliar a capacidade de pagamento do devedor.

O banco e financeira que descumprir poderá ser obrigado a reduzir os juros, encargos ou qualquer acréscimo ao principal. “Também poderá pagar indenização por perdas e danos patrimoniais e morais”, afirmou o senador e relator do projeto, Ricardo Ferraço (PMDB/ES).

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