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“Inovação requer limites e restrições”

por: Afonso Bazolli
em: Opinião
fonte: Época Negócios
19 de janeiro de 2016 - 18:02 - atualizado às 18:51

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Consultor especialista em inovação diz como as empresas que querem estar à frente do seu tempo devem conduzir seus negócios e gerir seus funcionários

Por: Raquel Salgado

O irlandês Barry O’Reilly já foi empregado, empresário e agora trabalha como consultor da ThoughtWorks, empresa de desenvolvimento de softwares com presença em 12 países, incluindo o Brasil. Co-autor do livro Lean Enterprise (Adopting Continuous Delivery, DevOps, and Lean Startup at Scale), ainda sem tradução no Brasil, O’Reilly tem como principal missão no seu trabalho ajudar empresas a se manterem à frente em seus setores, mesmo num cenário de constante transformação, onde não é fácil saber qual será a próxima onda inovadora.

Nessa empreitada, O’Reilly desenvolve soluções de tecnologia tanto para companhias centenárias, como a revista britânica The Economist quanto para start-ups como o site de reserva de hotéis Last Minute. Seu maior desafio é estimular a mudança da cultura organizacional dessas empresas e transformar a forma de pensar dos funcionários. Segundo ele, somente aquelas que entenderem que a tecnologia não é mais um apêndice da empresa e que sim faz parte do coração do negócio é que irão sobreviver nesse novo ambiente econômico e social. Mais ainda. As empresas de sucesso do futuro serão aquelas que estimulam a colaboração, a experimentação e não punem erros ou fracassos.

Na entrevista a seguir, concedida enquanto O’Reilly almoçava e elogiava a culinária brasileira num restaurante em São Paulo, o consultor faz uma análise dos principais erros cometidos pelas empresas que não acompanharam as mudanças organizacionais e sugere formas de manter funcionários engajados e motivados para criar uma empresa genuinamente inovadora.

Como funciona o trabalho da ThoughtWorks?

Antes de começar a desenvolver qualquer solução de software para um problema que a empresa quer enfrentar, nós vamos atrás de engajar o time de executivos. Eles são as pessoas que realmente podem começar a mudar a visão dentro da organização e eles sabem onde querem que a empresa esteja daqui um, cinco ou seis anos. E muitos deles tem grandes ideias, mas não sabem como colocá-las no mercado, especialmente no mundo digital. Isso acontece porque durante muito tempo a tecnologia foi vista como o primo pobre dentro das organizações. Os executivos encaram a tecnologia como uma vantagem competitiva, eles não entendem que ela está no centro do negócio. Nosso maior desafio é, muitas vezes, fazer a empresa e os funcionários enxergarem isso e entenderem que a tecnologia da informação é uma capacidade estratégica, capaz de provocar profundas mudanças no negócio.

Qual o maior desafio: mudar os processos adotados pela empresa ou a forma como os funcionários encaram seus trabalhos?

Existem vários níveis de dificuldade. Mudar a mente das pessoas é algo grande. Primeiro elas precisam encarar a tecnologia como uma capacidade estratégica e não apenas como um acessório para o desenvolvimento da empresa. Quando entramos numa empresa e começamos a mostrar a importância da tecnologia e como seu uso pode aprimorar a forma de trabalhar, o que mais ouvimos das pessoas é: mas por que eu tenho que mudar? Faz anos que faço as coisas dessa forma. Para evoluir é sim preciso mudar a forma como fazemos as coisas. Além disso, ao trazer novos processos e métodos, trazemos também experimentação. E isso pode gerar resultados positivos, mas pode também gerar falhas. Aí entra outro grande desafio: fazer com que as empresas entendam que é preciso dar espaço para os funcionários experimentarem e falharem. Se esses erros são vistos como algo negativo, não há como progredir.

As empresas punem excessivamente quem fracassa?

Sim. E isso é um erro muito básico e recorrente. Se você trata mal quem falhou porque se arriscou a fazer algo novo e diferente, essa pessoa jamais vai abraçar a mudança. Vai ficar com medo de perder seu trabalho ou seu status na empresa. Ao fazer isso, se estimula uma cultura contra a inovação e a colaboração. O que vemos é que as pessoas inovadoras dentro de uma empresa geralmente são mal vistas por seus colegas, porque elas estão mexendo com o estado natural das coisas. Elas são vistas como ameaças. Empresas são, fundamentalmente, feitas por seres humanos. E são como qualquer grupo de pessoas. Alguém no grupo quer ser o líder, alguém que ser o seguidor, alguém quer estar no controle. Toda organização vive uma disputa de poder em algum nível. A disputa mais produtiva é aquela que leva as pessoas a trabalharem juntas, a respeitaram umas às outras, a terem confiança mútua. É aquela que faz as pessoas entenderam quais são seus pontos fortes e fracos e entender também as fraquezas e fortalezas do seu colega ao lado. A partir daí, eles devem pensar juntos em como combinar essas características para atingir um resultado melhor.

Como mudar a cultura corporativa de uma empresa para torná-la mais aberta à experimentação e à colaboração?

Existem muitas técnicas diferentes para isso. Mas uma que usamos muito na ThoughtWorks baseia-se no pensamento de um pensador da cultura organizacional chamado Edgard Schein. Ele fala sobre duas principais ansiedades que convivem num ambiente organizacional. A ansiedade de sobrevivência (survival anxiety) e a ansiedade de aprendizagem (learning anxiety). A ansiedade de aprendizagem diz respeito ao quanto eu, dentro de uma empresa, sinto que posso aprender e testar novas ideias sem ser punido por isso. Já a ansiedade de sobrevivência é algo sobre o qual os líderes das organizações costumam refletir diariamente. O meu negócio vai estar vivo amanhã? O que está acontecendo com a indústria onde atuamos? Como não perder o passo? Se você é um líder e sua ansiedade de sobrevivência não é muito, muito alta, então você não sabe o que está acontecendo no seu mercado, nem tem ideia de como agir no futuro.

Já a ansiedade de aprendizagem precisa ser reduzida dentro das empresas. Os líderes precisam se perguntar: as pessoas aqui se sentem seguras experimentando? Eles precisam fazer as pessoas entenderem como o trabalho delas contribuir para o resultado final da empresa. Isso ajudará os funcionários a encontraram um sentido em seus trabalhos.

Você disse que as tentativas de inovação nem sempre são bem sucedidas. Há como minimizar os riscos envolvidos nesse processo?

Você conhece aquele jogo chamado roleta, no qual o jogador escolhe um número, a roleta é girada e ele torce para a bolinha parar no número que ele escolheu? Então, eu posso pegar R$ 100 e apostar tudo num único número. Ou eu posso pegar R$ 1 e apostar em cem números. Assim, eu terei cem apostas em vez de uma só. É assim que start-ups são financiadas por fundos de capital de risco (venture capital). Os financiadores não entregam US$ 100 a eles. Eles colocam, primeiro, US$ 1. Se a start-up provar que tem um modelo de negócios que pode ser replicado e gerar lucro, então eles voltam e dão mais US$ 2. Essa é a forma de limitar o risco: aumentar o número de apostas e não colocar todas as fichas num só produto ou serviço que sua empresa oferece. Pense nesse exemplo: se eu lhe oferecer R$ 1 milhão para você desenvolver um novo aplicativo e lhe der um ano para isso, você irá gastar R$ 2 milhões e levará três anos para terminar o aplicativo. Mas se eu olhe der R$ 10.000 e um mês, você vai dar um jeito e fazer. Porque inovação requer limites e restrições. Isso faz com que as pessoas pensem de forma simples, rápida e inovadora.

Quais os principais desafios do seu trabalho como consultor?

É envolver os clientes no processo de construção de uma nova ferramenta e mostrar que precisamos usar novas metodologias para atingir os resultados esperados. As empresas hoje estão muito desarticuladas. Alguém tem uma ideia, joga essa ideia para uma pessoa começar a desenvolver, essa pessoa passa para outra, que repassa para mais uma. De repente, a ideia para na mão do programador que deve desenvolver uma solução de software para aquele problema, mas ele nunca conversou com a pessoa que teve a ideia inicial. Isso tudo é extremamente ineficiente. As pessoas precisam estar reunidas no mesmo lugar, conversando, colaborando, pensando de forma conjunta.

Como vocês colocam essa colaboração em prática?

Vou explicar com um exemplo. Um de nossos clientes, o LastMinute.com, um site de reserva de hotéis, queria melhorar o seu aplicativo para dispositivos móveis. O que nós fizemos foi colocar todo o nosso time de designers dentro de um lobby de hotel e montamos um centro de trabalho no local. Ali eles conseguiram ter dezenas de ideias. Eles puderam pedir para que os clientes do hotel sentassem com eles, testassem e dessem feedback sobre o aplicativo que eles estavam desenvolvendo. O segredo é colocar as pessoas dentro do contexto para o qual elas precisam criar uma solução.

Por que mais empresas não atuam dessa forma?

Boa parte delas acham que já sabem todas as respostas e não precisam consultar os consumidores. Outras tem medo de mostrar suas ideias às pessoas. Por que? Porque tem medo de terem as ideias roubadas. Mas isso não faz sentido algum. Hoje, num mundo extremamente dinâmico, não importa apenas ter ideias. O que importa é conseguir colocá-las em prática o mais rápido possível. Não é preciso ter a ideia mais perfeita e bem acabada. O que as empresas precisam é jogar as ideias no mercado, testá-las e aí aprimorá-las. A Microsoft fez um ótimo estudo. Eles analisaram todos os produtos que colocaram no mercado nos últimos dez anos para tentar descobrir se o que as inovações colocadas em prática realmente melhoraram as métricas que elas deveriam melhorar. Um terço das inovações teve um impacto negativo sobre o produto. Outro um terço não teve qualquer impacto sobre o produto. E apenas um terço das ideias realmente agregaram algum tipo de valor e geraram retorno sobre o investimento. Imagine o quanto de dinheiro eles poderiam ter economizado se tivesse primeiro testado essas ideias ainda que inacabadas. Eles teriam percebido o impacto negativo ou zero e rapidamente mudariam de planos.

O que fará então as empresas de hoje serem bem-sucedidas durante muito tempo?

Pense no S&P 500, o índice que reúne as empresas mais bem cotadas do mundo. Nos anos 60, a idade média das empresas que integravam o índice era de 60 anos. Hoje, a idade média das empresas que compõem o índice é de quinze anos. As empresas que estavam no índice nos anos 60, não estão mais lá. A única companhia que permanece desde a criação do S&P 500 é a General Electric (GE). Eles começaram como uma companhia elétrica e hoje eles são uma empresa de serviços financeiros. Eles estão continuamente reinventando seu modelo de negócios. As empresas que vão viver muitos anos serão as que conseguem construir essa capacidade de inovar internamente, de quebrar e refazer seu modelo de negócios. Elas sabem quando entrar na onda, mas também sabem a hora de sair quando a onda perde força.

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